Artigo
de Eduardo Felipe Matias para o livro “Eu, Advogado? O Direito do Futuro” da ESPM
_________________________
Seja
curioso. Abrace tendências. Desenvolva habilidades. Repita.
Eduardo Felipe Matias
A definição de qual carreira se irá
seguir é um dos momentos mais importantes da vida. Ela é mais difícil nestes tempos
em que o mundo passa por transformações aceleradas. Novas profissões irão
surgir, e as tradicionais ganharão novos significados.
Nesse
contexto, por que escolher o Direito e, especialmente, a advocacia? O que fazer
para ter sucesso nesse ofício?
O
advogado do futuro – ou advogada, pois esta é uma profissão em que as mulheres já
são maioria e cada vez mais se destacam – é aquele disposto a aprender sempre,
a acompanhar as principais tendências da atualidade, e a desenvolver novas
habilidades.
A força da curiosidade
Vamos
começar pelas qualidades que podem contribuir para que um advogado tenha êxito.
Inúmeras poderiam ser mencionadas, e grande parte delas serve, é claro, para
diversas profissões. Porém, se for preciso escolher uma qualidade que quem
cogita seguir a carreira jurídica deve ter, esta é a curiosidade.
A
curiosidade não apenas enriquece a mente, mas também, em um campo tão vasto e
complexo quanto o Direito – especialmente no Brasil, cujo sistema jurídico é
frequentemente criticado por sua legislação volumosa e intrincada – prepara o
profissional para se adaptar a mudanças inevitáveis e constantes.
O
Direito não é estático. Ser um advogado curioso significa estar sempre à
frente, se atualizando e acompanhando as alterações que as leis venham a
sofrer. Não só as leis mudam, mas as interpretações dos tribunais evoluem, e
novas questões legais surgem à medida que a sociedade progride.
A
curiosidade é um traço a ser cultivado. Ela deve vir acompanhada de um compromisso
com o aprendizado contínuo, o que leva o
advogado a seguir se educando ao longo da vida. É preciso estar sempre se
instruindo e, consequentemente, sempre crescendo. Nesse processo, outra habilidade
crucial é necessária: a capacidade de fazer as perguntas certas. Seja em sala
de aula, seja durante uma conversa com um cliente, ou em um tribunal, saber
questionar (e se questionar) efetivamente, desafiando a sabedoria convencional, é o que muitas vezes diferencia o advogado
mediano do fora de série.
Não
se trata de buscar um conhecimento superficial. A curiosidade alimenta o desejo
de entender não somente o que ditam as leis, mas porque elas foram formuladas e
como podem ser aplicadas. Esse espírito investigativo propicia uma compreensão
mais abrangente das questões jurídicas e de suas nuances, o que é fundamental
em um ofício que se baseia na interpretação e na argumentação.
Finalmente,
a curiosidade estimula a pessoa a participar de comunidades distintas,
jurídicas ou não, como grupos de discussão e associações profissionais. A
interação com colegas de outras especialidades pode inspirar ideias e
abordagens inovadoras, abrindo espaço para a criatividade na resolução de
problemas.
Ser
curioso, portanto, impulsiona a carreira jurídica e contribui
significativamente para o sucesso dos advogados em uma área em constante
evolução.
Abraçando tendências
A
curiosidade é mãe do pioneirismo. Estar atento às mudanças sociais e econômicas e disposto a mergulhar em
águas pouco exploradas pode levar a descobertas que abrirão oportunidades na
carreira.
O
advogado do futuro (e de futuro) é aquele que está antenado a novas tendências.
Sempre
foi assim. Tive em minha vida um bom exemplo disso no Prof. Luiz Olavo
Baptista, que foi titular da cadeira de Direito do Comércio Internacional da
Universidade de São Paulo, ao lado de quem trabalhei por 17 anos, primeiro como
seu estagiário, depois como seu sócio. O LOB, como era chamado no escritório,
era curioso e, com isso, esteve na vanguarda de vários movimentos do Direito.
Foi, por exemplo, um dos primeiros advogados a utilizar o instrumento das joint
ventures no Brasil. Também foi um dos que esteve à frente, ao lado do Prof.
José Carlos de Magalhães – outro advogado como poucos, que tive a sorte de ter
como orientador em meu doutorado –, da introdução da arbitragem no País, quando
essa forma alternativa de resolução de disputas, hoje muito difundida, era um
instituto pouco utilizado por aqui.
O Direito não opera no vácuo. Ele é
reflexo da sociedade e seus valores, conflitos e aspirações.
Questões
relacionadas a diversidade e inclusão têm ganhado destaque nos últimos anos. A
mobilização por maior igualdade de gênero e raça vem modelando
as práticas corporativas. Isso também se aplica a movimentos contra o
assédio sexual no trabalho, como o #MeToo.
Advogados atentos a isso podem liderar a implementação de políticas de compliance
nas empresas que atendem, defendendo os direitos de grupos historicamente
marginalizados.
O
reconhecimento
crescente de estruturas familiares não tradicionais e dos direitos das
comunidades LGBT+ leva a uma modernização das leis que governam casamento,
adoção e direitos parentais. A tendência
demográfica ao envelhecimento da população mundial traz uma pressão por reformas
no sistema de previdência social e pode aumentar a demanda por serviços
jurídicos em diferentes áreas, do direito da saúde ao planejamento patrimonial.
A valorização da saúde mental nos ambientes profissionais tem efeitos sobre o
direito trabalhista. Este também é afetado pelo surgimento da “gig economy”,
que provoca discussões sobre o tratamento a ser dado àqueles que trabalham
utilizando plataformas de transporte particular como o Uber, ou de entregas em
domicílio como o iFood.
Após a pandemia do covid-19, ficou
claro que as interações online vieram para ficar. Isso afeta diversas áreas.
Novamente no direito trabalhista, o trabalho remoto desperta questões relativas
a políticas de teletrabalho. E, na área da saúde, a telemedicina traz
indagações sobre privacidade dos pacientes, segurança de dados e conformidade
regulatória.
Além da exploração de novos nichos em
áreas bem consolidadas, áreas que pareciam esquecidas podem ganhar importância
renovada – caso do direito espacial, que voltou a ficar em evidência desde que alguns
bilionários donos de big techs começaram a investir no lançamento de foguetes
e satélites.
Das
inúmeras tendências que poderia apontar, irei me concentrar em três delas que,
em quase 30 anos de carreira, instigaram a minha curiosidade ao passarem por
meu radar. Estas não só marcaram as últimas décadas, mas certamente continuarão
moldando nosso futuro por um bom tempo.
Globalização – vivendo em um mundo
interconectado
A primeira tendência a despertar meu
interesse foi a da globalização. Comecei a estudar esse assunto logo após me
formar, ao ingressar no mestrado, e ele foi objeto do meu doutorado, que
resultou no livro “A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à
sociedade global”.
As lições trazidas pela pandemia e
pela Guerra da Ucrânia aumentaram a preocupação dos Estados em diminuir sua
dependência das cadeias globais de valor, principalmente em relação a produtos
essenciais. Isso levou muitos a falarem em “desglobalização”, mas o fato é que
esse processo, em maior ou menor grau de intensidade, veio para ficar.
A internacionalização da economia transformou
o campo de atuação legal, expandindo seus horizontes muito além das fronteiras
nacionais e impondo aos advogados a necessidade de se familiarizar com uma gama
mais ampla de normas e práticas.
Esse processo veio acompanhado do surgimento de várias instituições
multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e de blocos
regionais, como o Mercosul, e da exigência de dominar os mecanismos que
facilitam o comércio e o investimento entre os países e que devem ser tidos em
conta pelas empresas que desejem expandir suas operações para o exterior. À
medida que as transações comerciais cruzam fronteiras, cresce a demanda por se
resolver eventuais disputas em um fórum neutro que seja aceitável para todas as
partes, o que tem impulsionado a arbitragem internacional, sendo preciso
conhecer as câmaras arbitrais que as administram e as suas regras.
Ao se internacionalizarem, as empresas enfrentam um cenário de
múltiplas jurisdições fiscais, o que traz maior demanda por especialistas em
direito tributário internacional capazes de oferecer a elas um planejamento
fiscal eficiente. A fim de garantir que as marcas, patentes e direitos autorais
de seus clientes estejam seguros em um mercado global, advogados especializados
nessa área devem estar familiarizados também com tratados internacionais como o
TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio), da OMC. No direito penal, a ampliação da incidência de delitos
que transcendem fronteiras nacionais, como ciberataques, tráfico humano e
terrorismo, exige que advogados criminalistas saibam lidar com questões
complexas de jurisdição e tenham compreensão dos mecanismos de cooperação
internacional e tratados de extradição. Além disso, a proliferação de leis
anticorrupção abre espaço para aqueles capacitados a orientar a implementação
de programas de compliance e a aconselhar sobre a estruturação dos
negócios internacionais de forma que minimize os riscos de violação, evitando
duras sanções.
A mesma evolução é notada em praticamente todas as áreas do Direito,
que respondem com novas regras ao aumento da interdependência entre os povos.
Sustentabilidade – princípios ESG
transformando as empresas e o Direito
Meu
interesse por assuntos relativos à governança global me levou a prestar atenção
na segunda tendência que irei abordar aqui: a sustentabilidade.
Havia
acabado de publicar meu primeiro livro quando as discussões sobre o aquecimento
global começaram a ganhar mais corpo, o que se intensificou sobretudo após a
divulgação, em 2007, do 4º Relatório do Painel Intergovernamental da ONU sobre
Mudanças Climáticas (IPCC), que consolidou a visão científica de que o
aquecimento global era uma realidade inegável e vinha sendo impulsionado pelo crescimento
das concentrações de gases de efeito estufa produzidos pelo homem.
Globalização
e sustentabilidade estão diretamente relacionadas, já que a maior parte dos
problemas ligados a esta última, inclusive as mudanças climáticas, são globais
e devem ser tratados como tal. Isso fez com que me aprofundasse na governança
global da sustentabilidade, que foi tema de meu pós-doutorado e deu origem a
meu segundo livro, “A Humanidade contra as Cordas: a luta da sociedade global pela
sustentabilidade”.
O
aumento gradual da conscientização pública sobre os efeitos do aquecimento
global teve um profundo impacto, influenciando diretamente as negociações
internacionais sobre o clima e preparando o terreno para futuras convenções, como
o Acordo de Paris em 2015 – resultante da 21ª Conferência das Partes da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21), da qual pude
participar – que foi um novo marco para a causa do desenvolvimento sustentável.
Hoje,
muitas vezes sob a nova roupagem dos princípios ambientais, sociais e de
governança (ESG, na sigla em inglês), a sustentabilidade é uma tendência
consolidada, que permeia todas as atividades, e que não pode ser ignorada pelo
Direito.
Ao contrário, em resposta à
necessidade de proteger o meio ambiente, tem surgido uma complexa rede de normas
nacionais e internacionais, padrões e práticas, somadas a conceitos,
instituições e princípios próprios, o que permite afirmar que estamos
assistindo à criação de um novo ramo jurídico, o Direito Internacional da
Sustentabilidade.
Este
vai além do direito ambiental tradicional que, é claro, está em alta. A ideia
de sustentabilidade abrange diversas áreas, incluindo, por exemplo, a responsabilidade social
corporativa (RSC), onde se pode aconselhar as empresas sobre como integrar
práticas éticas a suas operações, garantindo que aqueles que sejam afetados por
suas atividades e decisões – seus stakeholders – também sejam
beneficiados.
Essencial
para deter as mudanças climáticas, um campo de atuação em expansão é o das
energias renováveis. Advogados nele especializados podem contribuir para a
estruturação de projetos de energia solar e eólica, desde a fase de
licenciamento. A exigência de descarbonização da economia estimula à invenção
de novos tipos de combustíveis, como o hidrogênio verde, e abre oportunidades
em setores como o comércio de créditos de carbono, a compensação de gases de
efeito estufa e a emissão de green bonds para financiamento.
No setor imobiliário, práticas de
construção verde dependerão do auxílio de advogados que guiem as empresas para obter
selos como o LEED – sigla em inglês para “Liderança em Energia e Design
Ambiental”, sistema de certificação para edifícios sustentáveis amplamente
reconhecido internacionalmente, que avalia a eficiência e o impacto ambiental
de edifícios.
Por fim, a crescente incorporação dos
princípios da sustentabilidade aos acordos comerciais internacionais gerará uma
cobrança maior pela adoção de determinadas práticas, como o rastreamento das
cadeias produtivas para comprovação de que estas não são nocivas ao meio
ambiente ou não utilizam trabalho infantil. Ignorar essa pressão pode trazer
riscos para as empresas, até mesmo de reputação.
Ao
abraçar a tendência da sustentabilidade, o advogado do futuro não se limita a perseguir
o sucesso na carreira, mas busca causar um impacto positivo no mundo. As novas
gerações entendem a importância de integrar a seu dia a dia o respeito às
pessoas e ao meio ambiente. Além do trabalho pro bono, atuar diretamente com
assuntos relacionados à sustentabilidade, ou considerar seus princípios em cada
uma das suas atividades, ajuda a conferir propósito ao advogado, aumentando sua
realização e seu engajamento com a profissão.
Tecnologia
– a ascensão da Inteligência Artificial e do Direito Digital
O impacto crescente da inovação tecnológica
em nossas vidas é a terceira tendência impossível de ignorar.
Trata-se, novamente, de uma tendência
diretamente relacionada à da globalização. As tecnologias que estão impactando
a economia e a sociedade, como a internet, com suas redes sociais, e a
inteligência artificial (IA), são globais, e por isso demandam uma governança
igualmente global. A relação entre tecnologia e Direito despertou meu interesse
nos últimos anos de faculdade, quando se falava em “Direito da Informática”.
Anos depois, em meu livro A Humanidade e suas Fronteiras, pude analisar, entre
outros aspectos da globalização, como o surgimento do ciberespaço representava
um desafio para o Estado e as instituições. Mais recentemente, pude me
aprofundar em diferentes temas relativos à governança da era digital, em dois
períodos como visiting scholar no Vale do Silício, o primeiro deles na
Universidade da Califórnia em Berkeley, e o segundo, de um ano, na Universidade
Stanford.
Se a tecnologia vem revolucionando
inúmeros setores, o Direito não seria exceção.
Essa revolução afeta os advogados de
duas formas. Primeiro, porque a adoção de tecnologias avançadas como a IA deixou
de ser uma opção e passou a ser uma necessidade, caso se queira manter a
relevância em uma profissão cada dia mais dinâmica e competitiva. Segundo,
porque o campo do direito digital promete boas perspectivas para os advogados que
nele se aventurarem.
Quanto aos aspectos práticos,
ferramentas tecnológicas podem transformar o dia a dia do advogado, aumentando
a eficiência de seu trabalho. Uma das aplicações mais notáveis ocorre na
pesquisa jurídica, antes um processo que podia envolver incontáveis horas em
bibliotecas e que foi simplificada por meio de bancos de dados e ferramentas de
busca online. Softwares baseados em IA podem vasculhar milhares de artigos
acadêmicos e julgados para encontrar as informações desejadas em poucos
segundos, liberando o tempo do advogado para que ele foque no que realmente
importa, que é sua análise jurídica.
A IA pode, ainda, contribuir para a
automatização da elaboração de determinados documentos, como contratos, além de
ter um papel crescente na previsão de resultados de processos judiciais já que,
por meio da análise de dados de casos anteriores, algoritmos complexos podem
ajudar advogados a avaliar as chances de sucesso para cada estratégia,
orientando a tomada de decisões de seus clientes a fim de otimizar seus
recursos.
Por último, ferramentas de
videoconferência e plataformas de trabalho colaborativo na nuvem permitem que
os advogados interajam com clientes e com colegas em qualquer lugar do mundo,
quebrando barreiras geográficas e ampliando sua atuação.
Sem aderir às inovações tecnológicas,
os advogados correm o risco de ficar para trás. Ignorar ferramentas que
automatizam e otimizam tarefas repetitivas faz o advogado perder tempo com
atividades que poderiam ser simplificadas ou aceleradas, resultando em menor
produtividade e maior custo operacional, o que afetaria sua competitividade em
um mercado onde clientes esperam serviços rápidos, precisos e econômicos.
Deve-se, também, considerar que o
direito digital é uma das áreas mais promissoras do cenário jurídico atual.
A progressiva digitalização de diversos
aspectos de nossa vida social e econômica nos leva a passar grande parte do
nosso tempo online, permitindo a coleta de dados pessoais em massa, especialmente
por plataformas de mídias sociais que se valem da capacidade de perfilar seus
usuários para vender publicidade direcionada. Nesse contexto, torna-se crítico
o papel de advogados especializados em legislações como a Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD) brasileira, os quais podem assessorar as empresas na implementação
de políticas de privacidade e de práticas adequadas de tratamento de dados, bem
como atuar em casos de violações.
A área da propriedade intelectual é
uma óbvia favorecida, não somente pela enxurrada de soluções tecnológicas que
demandam registro das respectivas patentes, mas por vivermos em uma era em que
os ativos imateriais são extremamente relevantes para as empresas e em que estas
estão cada vez mais vulneráveis à pirataria digital.
Dos diversos tipos de cibercrimes –
como os ataques de ransomware –, do cyberbulling e da difamação
nas redes sociais digitais, que são objeto do direito penal, passando pelo
comércio eletrônico que, à medida que cada dia mais compras são realizadas online,
desperta atenção quanto aos direitos dos consumidores, até questões
relacionadas à responsabilidade civil por danos causados por veículos autônomos
ou drones, todos os ramos do Direito sofrerão atualizações decorrentes da
introdução da tecnologia.
O uso da IA traz preocupações éticas
que devem ser endereçadas por advogados. A Internet das Coisas (IoT) provoca
questões sobre privacidade e segurança de dados. As propostas para o
desenvolvimento de uma internet mais descentralizada e baseada em tecnologias
de blockchain, conhecida como Web 3.0., e de soluções como as criptomoedas,
as Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs, na sigla em inglês) e os
contratos inteligentes abrem um novo universo de possibilidades para os
advogados com olhos no futuro. E, se um dia o Metaverso realmente chegar, todo
o Direito será Direito Digital.
Startups – globalização, sustentabilidade e
tecnologia postos em prática
Provavelmente
não conseguiremos alcançar um mundo realmente sustentável sem um empurrãozinho da
inovação, uma vez que o desafio de promover transformações radicais em nossa
infraestrutura e hábitos de consumo a tempo de, por exemplo, frear as mudanças
climáticas, parece grande demais. Por isso, uma vez mais, duas tendências aqui
mencionadas se combinam. A sustentabilidade depende da tecnologia.
As startups talvez sejam o melhor elo
entre essas duas tendências, e mesmo entre elas e a globalização. Para cumprirem seu objetivo de sanar algumas
dores que são, em sua maioria, globais, as startups devem adotam modelos de
negócios escaláveis, e tendem a se internacionalizar. E como a escalabilidade
muitas vezes depende da aplicação de inovações tecnológicas, boa parte dessas empresas
se enquadra como deeptechs.
Isso me levou, há alguns anos, a
começar a trabalhar com essas empresas, principalmente aquelas que procuram resolver algum problema social ou ambiental
significativo – os chamados negócios de impacto – e a me envolver, mais
recentemente, nas discussões sobre a criação do Marco Legal das Startups brasileiro.
Atender
uma startup é, para o advogado, uma experiência completa.
Passa,
inicialmente, pela curiosidade de entender como funciona o ecossistema
empreendedor, conhecendo seus atores – como aceleradoras e incubadoras – e os
mecanismos de fomento criados para que essas empresas floresçam. Continua em
sua estruturação jurídica inicial, lidando com questões de propriedade
intelectual e acordos de confidencialidade, bem como com aspectos societários
da relação entre os fundadores, e entre estes e seus colaboradores – por
exemplo, ajudando a definir planos de opções de compras de ações (stock
options).
Depende, ainda, de saber como seu
modelo de negócios é afetado pela regulação existente – ou pela ausência dela,
já que muitas startups desenvolvem projetos disruptivos, sem equivalentes no
mercado. Algumas atuarão em setores altamente regulados, como saúde e educação,
que às vezes criarão ambientes controlados para testar as soluções inovadoras das
startups, os chamados sandboxes regulatórios, que o advogado do futuro
precisará conhecer. E tem uma importante etapa no aconselhamento para captação
de recursos junto a investidores anjos, fundos de venture capital e
plataformas de crowdfunding, entre outros, sem a qual a desejada
escalabilidade dos negócios dificilmente irá ocorrer.
Muitas startups estão na vanguarda do progresso
tecnológico e provocam novas questões jurídicas, transformando o mercado do
qual participam. Vide o impacto das fintechs, categoria de startups que
mais produziu unicórnios no Brasil, sobre o tradicional mercado financeiro.
Assim, trabalhar com startups representa
uma ocasião ideal para operadores do Direito interessados em orientar, do
nascimento à internacionalização, negócios que podem crescer de forma
exponencial e mudar o mundo como o conhecemos.
E o que mais?
O sucesso do advogado ou da advogada
do futuro não depende apenas de seu conhecimento técnico especializado. Decorre,
também, de uma série de habilidades e competências não jurídicas.
Certas delas serão inatas. Outras,
precisarão ser desenvolvidas. Algumas, como a capacidade de liderança e de
planejamento estratégico, se aplicam a todas as profissões. Outras são
especialmente relevantes para quem opta pelo Direito.
A adaptabilidade é uma delas. Como as
startups, o advogado precisa saber “pivotar” e corrigir seu rumo ao notar que
sua área de atuação e as demandas de seus clientes estão se modificando. Em uma
ocupação em que as dinâmicas interpessoais – com clientes e colegas – são
especialmente intensas, a inteligência emocional é necessária. O mesmo se
aplica à capacidade de negociação, que pode garantir resultados positivos a
seus clientes, e de networking, uma vez que expandir sua rede de
contatos é vital para o progresso na carreira e para a geração de negócios.
Neste
final da nossa conversa, no entanto, irei focar em duas habilidades que me
parecem ainda mais essenciais do que as anteriores.
A
primeira delas é a comunicação.
A capacidade de traduzir conceitos
jurídicos complexos para uma linguagem clara e acessível, seja por escrito,
seja oralmente – não se engane, saber falar em público acaba sendo quase uma obrigação
–, é fundamental para uma boa advocacia.
Isso envolve deixar de lado o uso do
“juridiquês”, jargão carregado de expressões arcaicas e formalidades que
intimida e afasta aqueles que não possuem formação legal. Isso inclui o uso das
mídias sociais, hoje uma ferramenta também para quem busca projeção
profissional. Nelas, comunicar-se bem pode significar a diferença entre ser
ouvido e falar sozinho.
Ao desmistificar o Direito, empregando
termos que sejam facilmente compreendidos sem perder a precisão técnica –
muitas vezes, inclusive, utilizando recursos gráficos de visual law –, o
advogado não só garante que o cliente entende o que lhe está sendo transmitido,
mas também cria uma relação de maior proximidade – imagine como seu cliente,
jovem empreendedor em uma startup, reagiria ao uso de expressões rebuscadas em
português ou, pior, em latim durante uma reunião. Data venia...
Além do português correto e sem
firulas, dominar outros idiomas sempre será um diferencial. Primeiro, porque
abre todo um universo de aprendizado ao permitir acessar textos e cursos em
línguas estrangeiras – um prato cheio para o advogado curioso. Segundo, porque
em um mundo interconectado, o domínio de idiomas abre portas, ampliando o
escopo de atuação do advogado e sua empregabilidade. Permite, também, mergulhar
em culturas distintas, entendendo suas nuances, o que ajuda em negociações e
promove empatia com clientes e advogados de outras nacionalidades.
Isso se aplica particularmente ao
inglês, hoje imprescindível. Sem ele, fica longe do alcance o repositório sem
igual de conhecimento acadêmico e profissional produzido nesse idioma – diferença
que se acentua nos diversos campos avançados do Direito aqui citados. E, sendo o
inglês a língua da globalização, não o dominar prejudica o exercício de uma
série de atividades que envolvam contato com o exterior.
A segunda habilidade a ser destacada é
o conhecimento multi ou interdisciplinar. Se
a curiosidade sempre será o maior superpoder do advogado, um de seus derivados,
a
capacidade de acumular e integrar noções de outras disciplinas, é indispensável
para o advogado do futuro.
Nos atendo às três principais
tendências aqui analisadas, advogados que possuam conhecimentos em economia e
relações internacionais estarão mais aptos a estabelecer uma estratégia de
internacionalização para seus clientes. Aqueles que queiram atuar na área da
sustentabilidade serão mais efetivos se dominarem a base científica das
mudanças climáticas, dos danos causados pela poluição e dos riscos da perda de
biodiversidade. Aqueles que queiram aconselhar sobre temas de ponta da era
digital, como biotecnologia e IA, se beneficiam da compreensão de como essas
tecnologias funcionam, suas limitações e implicações éticas.
Essa habilidade se estende ao conhecimento
dos negócios de seus clientes. Não basta dominar as leis aplicáveis ao setor em
que estes atuam. É preciso entender a cultura, as dinâmicas de mercado e as
pressões concorrenciais do ambiente em que eles operam. Ir além da simples resolução
de questões legais, proativamente propondo soluções que promovam os objetivos
do cliente de forma mais ampla, contribui para estabelecer um relacionamento de
longo prazo, tornando o advogado um parceiro estratégico essencial.
***
Globalização,
sustentabilidade e tecnologia seguirão moldando o século XXI. Em resposta a essas
tendências, o processo de construção de mecanismos de governança global que
envolvem regras nacionais, transnacionais e internacionais irá continuar.
Acompanhar essa evolução depende de se
engajar em um processo de
aprendizado contínuo, que começa pela escolha de um curso de Direito que não
ignore essas tendências e contribua para a formação de pessoas capazes de pensar
globalmente, ter a sustentabilidade em mente e navegar com maestria pela era
digital.
Mas não termina aí. Para ser
bem-sucedido em sua profissão, o advogado do futuro precisará manter a sua
curiosidade acesa e seguir desenvolvendo novas habilidades. Sem parar. Por toda
a vida.
Eduardo Felipe
Matias – mini bio:
Com 30 anos de experiência na área do
direito empresarial, Eduardo Felipe Matias é duas vezes ganhador do Prêmio
Jabuti pelos livros “A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à
sociedade global” e “A Humanidade contra as Cordas: a luta da sociedade global
pela sustentabilidade”, é coautor do estudo “Sharing Good Practices on
Innovation” e coordenou o livro “Marco Legal das Startups: Lei Complementar
182/2021 e o fomento ao empreendedorismo inovador no Brasil”. Colunista da
revista Época Negócios e do Broadcast do Estadão/Agência Estado, já publicou mais
de uma centena de artigos nos principais meios de comunicação do País. Doutor
em Direito Internacional pela USP, onde também se graduou. Pós-doutorado pela
IESE Business School, na Espanha, mestre em Direito Internacional pela
Universidade de Paris II Panthéon-Assas e visiting scholar na Columbia
University em Nova York e nas Universidades de Berkeley e Stanford, na
California, é Professor Convidado da Fundação Dom Cabral e Conferencista no
Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP). Líder do Comitê de Startups da
Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e sócio do escritório
Elias, Matias Advogados.
Avenida Paulista, 1842,16º andar • Conjunto 165 01310-200 – São Paulo/SP – Brasil
+55 (11) 3528-0707
Comentários/ 0