Eduardo Felipe
Matias
A
crise ambiental na Amazônia traz uma lição. Nos dias de hoje, a lógica da
globalização prevalece sobre a lógica da soberania.
Isso
não significa o fim da autodeterminação dos povos – apesar da provocação de
Macron ao final da reunião do G7, a soberania brasileira sobre seu território
não está em questão. Quer dizer apenas que, em um mundo interdependente, esta é
cada vez mais condicionada por forças externas.
A
limitação à liberdade de adotar determinadas políticas econômicas é algo que
muitos países puderam sentir na pele em sucessivas crises financeiras
internacionais nas últimas décadas. A novidade é que isso vale cada dia mais
para a área ambiental. Economia e sustentabilidade estão interligados, e esta
última passou, nos últimos anos, a ser encarada como um imperativo.
Essa
constatação é amparada por uma ampla rede de proteção e promoção do meio
ambiente composta não só de leis nacionais – a Constituição brasileira,
inclusive –, mas também de acordos internacionais e regras privadas de caráter
transnacional.
Internacionalmente,
a primeira ameaça que pairou sobre o Brasil foi a de bloqueio ao acordo
comercial entre União Europeia e Mercosul. Apesar de alguns dos líderes
europeus, como a alemã Angela Merkel, terem se oposto a isso, a possibilidade
não está descartada, uma vez que o acordo ainda precisará ser aprovado pelo
Parlamento Europeu e ratificado pelos Estados que integram a UE. Durante esse
longo processo, caso o Brasil descuide da área ambiental, dará espaço a
pressões de setores protecionistas europeus que tentarão frustrar esse acordo.
O mesmo vale para outro acordo recém negociado, entre Mercosul e os países da
EFTA – Suíça, Islândia, Liechtenstein e Noruega, o qual também terá disposições
voltadas a garantir o compromisso das partes com o desenvolvimento
sustenta?vel, o que mostra a imbricação hoje existente entre comércio
internacional e respeito ao meio ambiente.
Na frente
transnacional, uma reação negativa deve preocupar ainda mais, por ser difícil
de controlar. O risco é que empresas e consumidores estrangeiros deixem de
comprar do Brasil por falta de compliance ambiental – lembrando que hoje
muitos contratos preveem condições socioambientais a serem respeitadas por
grandes corporações, e que há uma crescente preocupação das pessoas em conhecer
a origem dos produtos que consomem. A sustentabilidade é boa para os negócios.
Ao não preservar a floresta, poderíamos perder mercados.
Tratar como
questão ideológica o que na verdade consiste em fato – caso da globalização ou,
no âmbito da sustentabilidade, das mudanças climáticas – gera más decisões por
parte dos poderes públicos.
Na área econômica,
os países que optaram por adotar modelos que os alienavam da globalização
pagaram um preço por isso. Desde seu início, o governo brasileiro parece ter
entendido essa realidade, deixando de lado o nacionalismo e procurando promover
reformas e acordos de livre comércio com o objetivo de melhorar o ambiente de
negócios e aumentar a inserção brasileira na economia mundial.
Também na área
ambiental, é necessário reconhecer que a sustentabilidade é uma tendência que
não pode ser ignorada. Não só pelo risco de prejudicar as exportações
brasileiras e os investimentos no País. No caso da Amazônia, há inúmeras
atividades que podem ser desenvolvidas de forma sustentável a fim de aproveitar
o potencial da região e de sua biodiversidade, trazendo benefícios para o País
como um todo – simplesmente queimar a floresta, para proveito de poucos, é o
pior uso que se pode fazer dessa riqueza.
Há dezenas de
motivos de caráter ético e estético para se abraçar a sustentabilidade, mas não
é de se esperar que estes convençam a todos. No caso da Amazônia, não é preciso
se tornar ecologista para fazer a coisa certa. Basta entender que a destruição
da floresta é ruim para o bolso da maioria. Soberanamente, o governo brasileiro
deveria se empenhar em combater o desmatamento pelo mesmo motivo pelo qual tem
buscado modernizar a economia: porque, no final das contas, isso é bom para o
Brasil.
Eduardo
Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, Doutor em
Direito Internacional pela USP, autor dos livros A Humanidade e suas Fronteiras
e A Humanidade contra as Cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti
Artigo publicado originalmente no site e versão impressa do
jornal Folha de S.Paulo nos dias 27 e 28 de agosto de 2019.
Acesse: Link
Avenida Paulista, 1842,16º andar • Conjunto 165 01310-200 – São Paulo/SP – Brasil
+55 (11) 3528-0707
Atuação: COMERCIAL, CONTRATOS E INTERNACIONAL, INOVAÇÃO E STARTUPS, SOCIETÁRIO, SUSTENTABILIDADE