Em entrevista ao InfoMoney, o advogado Eduardo Felipe Matias destaca que o governo, que tem se empenhado em implementar uma série de reformas para melhorar o ambiente de negócios no País, precisa entender também a importância do tema sustentabilidade para atrair investimentos.
SÃO PAULO – O governo de
Jair Bolsonaro precisa mostrar para a população brasileira e para o mundo que
está preocupado com a situação das queimadas da Amazônia e que está pronto para
atuar de forma a reverter o desmatamento da floresta.
Esta é a avaliação de Eduardo
Felipe Matias, doutor em direito internacional e responsável pela área
empresarial do escritório NELM Advogados. Em entrevista ao InfoMoney,
ele destacou a importância da preservação das matas também para a preservação
dos negócios do Brasil – questões estas que vão além de um possível rompimento
do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
“A sustentabilidade é uma
tendência que veio para ficar e permeia todos os setores da economia e da
sociedade (…) São as reações das empresas importadoras e dos
consumidores estrangeiros que nós deveríamos recear. É certo que o mundo conta
hoje com uma ampla rede de acordos internacionais, de caráter público, voltados
à proteção do meio ambiente e à promoção da sustentabilidade”, afirma.
Autor do livro “A humanidade
contra as cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade”, Matias
ressaltou que o governo, que tem se empenhado em implementar uma série de
reformas para melhorar o ambiente de negócios no País, “precisa perceber que o
clima de otimismo gerado por essas medidas pode ser prejudicado pela
repercussão negativa gerada por uma postura equivocada na área ambiental”.
E completa: “esta poderia causar
uma maré contrária aos investimentos, com graves consequências econômicas.
Seria um tiro no pé, que não beneficiaria ninguém”.
Confira a entrevista abaixo:
Como vê a discussão em torno
do tema do aumento do desmatamento na Amazônia?
É preciso entender que o combate
ao desmatamento não é uma questão ideológica. É uma questão prática, a ser tratada
com vontade política e gestão eficiente. Há muita fake news e bate
boca que só causam confusão e impedem que o debate se concentre no que de fato
está acontecendo e na adoção das medidas necessárias.
Assim como a saúde e a educação,
a proteção do meio ambiente não pode ser sequestrada por nenhum dos campos
políticos. Não se trata de bandeira de esquerda ou de direita. Deve ser uma
prioridade de todos, pois afeta o bem-estar da população e o potencial
econômico do País.
Quais as consequências das
queimadas para a população e para o País?
Primeiro, afeta diretamente a
saúde das pessoas. A fumaça proveniente desses incêndios é tóxica, e tem se
registrado um aumento de hospitalizações por casos de doenças respiratórias. É
atribuição do poder público proteger seus cidadãos. Nesse sentido, é
interessante fazer um paralelo com a China, onde a alta poluição nas cidades
contribuiu para uma virada na forma como aquele país, que passou a investir
pesado em energias renováveis, encara seus problemas ambientais.
Em segundo lugar, a Amazônia é um
patrimônio nacional que vem sendo dilapidado há anos, e cabe a nós,
brasileiros, exigir que essa riqueza seja preservada, independentemente de
pressões internacionais.
Não apenas porque a floresta tem
uma importante função ambiental – não de produção de oxigênio, como alguns
erroneamente tem dito, e sim de fornecimento de serviços ecossistêmicos,
regulando o clima da região, por exemplo –, mas também porque seu maior
potencial está na pesquisa, desenvolvimento e inovação para exploração de sua
biodiversidade de forma sustentável. Nada justifica, por isso, tocar fogo nesse
tesouro.
É o atraso da lavoura arcaica,
quando, em plena era digital, deveríamos estar investindo em biotecnologia.
Nossa maior afirmação de soberania sobre a Amazônia é fazer um bom uso desse
território, em benefício do nosso povo, e as queimadas são o oposto disso.
Por fim, há o risco de os
produtores nacionais sofrerem embargos e boicotes. Ser insustentável é mau para
os negócios.
Como o aumento do desmatamento
pode afetar os negócios?
A sustentabilidade é uma
tendência que veio para ficar e permeia todos os setores da economia e da
sociedade. Não se trata apenas de temer os governos do G-7 e possíveis
retaliações por parte desses países, como a imposição de barreiras comerciais.
São as reações das empresas
importadoras e dos consumidores estrangeiros que nós deveríamos recear. É certo
que o mundo conta hoje com uma ampla rede de acordos internacionais, de caráter
público, voltados à proteção do meio ambiente e à promoção da sustentabilidade
– costumo defender que isso tem levado ao surgimento de um verdadeiro Direito
Internacional da Sustentabilidade.
Mas há uma parte desse Direito
que tem origem no setor privado, por meio de instrumentos que são, na verdade,
transnacionais. Hoje, muitos contratos de fornecimento – como advogado atuante
na área empresarial internacional, tenho contato frequente com exemplos disso –
prevê condições socioambientais a serem respeitadas nas compras efetuadas por
grandes corporações.
Boa parte do setor privado
abraçou a sustentabilidade, e os contratos são um dos pilares dessa
transformação. Ao manchar nossa imagem com queimadas e desmatamento, estamos
correndo o risco de que empresas e consumidores estrangeiros deixem de comprar
do Brasil. Ou seja, além de fazer um mau uso dos nossos recursos naturais,
estaríamos perdendo mercados.
Qual prejuízo econômico
imediato essa situação pode causar para o País?
Um risco imediato é a
possibilidade de bloqueio à concretização do acordo comercial entre Mercosul e
União Europeia. Já quando este estava sendo negociado, o presidente francês
Emmanuel Macron deixou claro que a celebração do acordo dependia da posição do
Brasil em relação ao meio ambiente e ao aquecimento global.
Essa postura se refletiu nos
termos do acordo, que contém um capítulo específico no qual as partes se
obrigam a respeitar seus compromissos em relação aos acordos multilaterais
ambientais, como o Acordo de Paris sobre o clima, ao desenvolvimento
sustentável e à conservação das florestas e da biodiversidade.
Ao não dar a devida atenção ao
desmatamento da Amazônia, o governo põe em risco esse acordo comercial, que
havia sido uma de suas maiores conquistas na área econômica até agora.
Vale observar que esse acordo
enfrentou resistências de setores protecionistas na Europa, inclusive de
agricultores franceses. Ao não fazer nossa lição de casa, estamos dando o
pretexto que os lobbies protecionistas a serviço desses setores precisam para
tentar frustrar esse acordo que pode trazer grandes benefícios para o Brasil.
Não deveríamos dar a menor brecha para que isso acontecesse.
Qual a posição do agronegócio
em relação a esse assunto?
Boa parte do setor está ciente da
necessidade de se enquadrar a essa nova realidade, na qual as atividades produtivas
precisam se desenvolver sem prejudicar o meio ambiente e o clima, e tem se
organizado para isso por meio de iniciativas como a Coalizão Brasil Clima,
Florestas e Agricultura, em sintonia com outros movimentos, como a Iniciativa
Empresarial em Clima.
O agronegócio brasileiro está
percebendo que, sem garantir que suas práticas são sustentáveis, perderá
mercado. E que qualquer dano à imagem do País lá fora em relação à preservação
ambiental prejudica suas exportações.
Isso já havia levado esse setor a
pressionar o governo para que não levasse adiante as ameaças feitas em campanha
de que retiraria o Brasil do Acordo de Paris.
Pois bem, o Brasil ficou no
Acordo, e deve agora demonstrar que respeitará seus compromissos de redução de
emissões de gases de efeito estufa – e não vai ser liberando mais carbono na
atmosfera por meio de queimadas que conseguiremos cumprir nossas metas. A maior
demonstração disso é que lideranças do agronegócio têm manifestado sua
preocupação com o aumento do desflorestamento.
Nesse contexto, qual deveria
ser a reação do governo brasileiro?
O governo precisa sinalizar para
a população brasileira e para o mundo que está preocupado com a situação e
pronto a atuar para revertê-la. Mostrar consciência de que, ainda que os
incêndios na Amazônia sejam algo cíclico e que sempre existiu, há fortes
evidências de que estão aumentando.
Constatado o fato, este demanda
ação, não havendo espaço para declarações diversionistas ou teorias
conspiratórias. Essa é uma atitude essencial, a ser adotada de imediato,
inclusive porque a impressão de que o meio ambiente não era prioridade e o
desmantelamento das estruturas e políticas ambientais talvez estejam na origem
do crescimento acelerado do desmatamento neste ano.
Logo, é preciso se apressar para
dar a sinalização contrária, assegurando que, alinhado às melhores práticas
mundiais e aos setores mais avançados da nossa própria economia, não tolerará a
exploração desenfreada e insustentável daquele que talvez seja o maior
patrimônio nacional.
O governo, que tem se empenhado
em implementar uma série de reformas para melhorar o ambiente de negócios no
País, precisa perceber que o clima de otimismo gerado por essas medidas pode
ser prejudicado pela repercussão negativa gerada por uma postura equivocada na
área ambiental.
Esta poderia causar uma maré contrária aos investimentos, com graves consequências econômicas. Seria um tiro no pé, que não beneficiaria ninguém.
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