Carregando...

Publicações

O lado iluminado da IA

17 Dezembro 2024/ Notícias & Artigos/

Como a inteligência artificial pode revolucionar a biologia e a saúde, mudando nossas vidas

Eduardo Felipe Matias


A chegada da chamada “inteligência artificial geral” (AGI, na sigla em inglês) desperta vários temores, muitos deles já tratados nesta coluna em outras ocasiões. Porém, ao alertar para o lado escuro dessa tecnologia, não podemos perder de vista os benefícios que ela pode trazer, motivo por trás da grande quantidade de pesquisas e investimentos nela realizados.

Em artigo recente intitulado Machines of Loving Grace (em tradução livre, “Máquinas de Amorosa Benevolência”) – que repercutiu bastante no Vale do Silício, Dario Amodei, CEO da Anthropic, procura mostrar “como a inteligência artificial pode transformar o mundo para melhor”. Vale lembrar que, apesar de sua atuação como empresário no setor, Amodei é insuspeito de ter uma visão cor de rosa sobre a IA. Ao contrário, possui um histórico de preocupação com os riscos a ela associados, tendo fundado a Anthropic com outros colegas que deixaram a OpenAI devido, especialmente, a divergências em relação a questões relacionadas à segurança nas pesquisas de desenvolvimento da AGI.

Ele trata no artigo do que ele denomina uma “IA poderosa” – ele não gosta da expressão AGI, mas é disso que se trata – a qual, ele acredita, pode surgir já em 2026. Esta seria semelhante aos atuais grandes modelos de linguagem, mas com capacidade vastamente superior, a ponto de ser “mais inteligente que um ganhador do Prêmio Nobel” em áreas como matemática, programação e engenharia. Além disso, esses sistemas poderiam operar em larga escala, colaborando entre eles de maneira coordenada, como uma força de trabalho altamente especializada, formando o que ele chama de “um país de gênios em um datacenter”.

A capacidade de uma IA desse tipo de abreviar a pesquisa científica poderia condensar o que seria um século de progresso científico em apenas uma década, fenômeno que ele chama de “século XXI comprimido”. Isso traria ganhos em diversos campos e, embora Amodei aborde cinco categorias, o potencial em duas delas – “Biologia e Saúde Física” e “Neurociência e Saúde Mental” – impressiona particularmente.

Grande parte dos avanços registrados historicamente na área da biologia surgiu de um pequeno número de descobertas que deram origem a técnicas inovadoras – como o CRISPR, que permite a edição precisa de genes em organismos vivos e valeu o Prêmio Nobel de Química a suas criadoras quatro anos atrás. A tecnologia de mRNA, que já propiciou a rápida criação de vacinas contra a covid-19, sugere a possibilidade de “vacinas para qualquer coisa”, favorecendo a prevenção e possível eliminação da maioria das doenças infecciosas naturais.

Se o Nobel de Química de 2020 premiou o engenho puramente humano, o deste ano reconheceu Demis Hassabis e John Jumper, do Google DeepMind, pelo desenvolvimento do AlphaFold, modelo de IA que promete transformar a biomedicina e a biotecnologia ao desvendar as estruturas tridimensionais das proteínas. Com a evolução acelerada da IA, novas ferramentas igualmente revolucionárias podem surgir em ritmo exponencial.

Em doenças como o câncer, a IA pode viabilizar tratamentos altamente personalizados, ajustados ao perfil genético específico de cada tumor. Esse tipo de medicina de precisão, hoje trabalhosa e cara, se tornaria escalável, reduzindo drasticamente as taxas de mortalidade. Além disso, a IA pode abrir caminho para métodos avançados de proteção ou cura de doenças genéticas, como intervenções que utilizem versões otimizadas do CRISPR, visando corrigir predisposições a certas condições ainda na fase embrionária.

No campo da neurociência, Amodei antecipa melhorias semelhantes. A contribuição da IA em áreas tradicionais como biologia molecular e genética é especialmente promissora para a saúde mental, na qual muitos transtornos psiquiátricos ainda são pouco compreendidos e difíceis de tratar. A pesquisa assistida por IA poderia levar à invenção de novos medicamentos que modulem neurotransmissores com maior precisão, melhorando o humor e a cognição, propiciando maior bem-estar emocional. Ela também poderia aprofundar nosso entendimento das bases genéticas das doenças mentais, permitindo medidas preventivas semelhantes às aplicadas para a saúde física, além de reduzir brutalmente o tempo necessário para desenvolver tratamentos ou até mesmo curas para distúrbios complexos como depressão e esquizofrenia.

Amodei não deixa de tratar de outros impactos positivos que a IA poderia ter para a sociedade, como aqueles relativos ao desenvolvimento econômico e à redução da pobreza. Na agricultura, por exemplo, ela poderia impulsionar a engenharia genética e provocar uma segunda Revolução Verde, aumentando os rendimentos das colheitas, otimizando fertilizantes e automatizando processos para tornar a produção de alimentos mais eficiente e resiliente. Ao fortalecer a segurança alimentar, a IA pode ajudar a reduzir o fosso econômico entre países ricos e pobres. Além disso, soluções baseadas em IA para as mudanças climáticas – como as relacionadas a remoção de carbono ou energia limpa – poderiam mitigar os problemas ambientais que afetam desproporcionalmente as nações em situação mais vulnerável.

A aceleração das descobertas científicas permitirá, assim, enfrentar alguns dos desafios mais urgentes da humanidade. Se desenvolvida de forma responsável, uma IA poderosa tem o potencial de melhorar radicalmente as nossas vidas. Bom terminar o ano com uma perspectiva otimista. Feliz 2025!

 

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, é professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

 

Artigo originalmente publicado na coluna Na Fronteir@ da revista Época Negócios em dezembro de 2024.



Publicações relacionadas


Comentários/ 0


DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por Advogado
Por data

RECEBA NOSSAS NEWSLETTERS