Como a inteligência artificial pode revolucionar a biologia
e a saúde, mudando nossas vidas
Eduardo Felipe Matias
A
chegada da chamada “inteligência
artificial geral” (AGI, na sigla em inglês) desperta vários temores, muitos deles já tratados
nesta coluna em outras ocasiões. Porém, ao alertar para o lado escuro dessa
tecnologia, não podemos perder de vista os benefícios que ela pode trazer, motivo
por trás da grande quantidade de pesquisas e investimentos nela realizados.
Em
artigo recente intitulado Machines of Loving Grace (em tradução livre, “Máquinas
de Amorosa Benevolência”) – que repercutiu bastante no Vale do Silício, Dario
Amodei, CEO da Anthropic, procura mostrar “como a
inteligência artificial pode transformar o mundo para melhor”. Vale lembrar que,
apesar de sua atuação como empresário no setor, Amodei é insuspeito de ter uma
visão cor de rosa sobre a IA. Ao contrário, possui um histórico de preocupação
com os riscos a ela associados, tendo fundado a Anthropic com outros colegas
que deixaram a OpenAI devido, especialmente, a divergências em relação a
questões relacionadas à segurança nas pesquisas de desenvolvimento da AGI.
Ele
trata no artigo do que ele denomina uma “IA poderosa” – ele não gosta da
expressão AGI, mas é disso que se trata – a qual, ele acredita, pode surgir já
em 2026. Esta seria semelhante aos atuais grandes modelos de linguagem, mas com
capacidade vastamente superior, a ponto de ser “mais inteligente que um
ganhador do Prêmio Nobel” em áreas como matemática, programação e engenharia. Além
disso, esses sistemas poderiam operar em larga escala, colaborando entre eles de
maneira coordenada, como uma força de trabalho altamente especializada, formando
o que ele chama de “um país de gênios em um datacenter”.
A
capacidade de uma IA desse tipo de abreviar a pesquisa científica poderia
condensar o que seria um século de progresso científico em apenas uma década,
fenômeno que ele chama de “século XXI comprimido”. Isso traria ganhos em
diversos campos e, embora Amodei aborde cinco categorias, o potencial em duas
delas – “Biologia e Saúde Física” e “Neurociência e Saúde Mental” – impressiona
particularmente.
Grande
parte dos avanços registrados historicamente na área da biologia surgiu de um pequeno
número de descobertas que deram origem a técnicas inovadoras – como o CRISPR,
que permite a edição precisa de genes em organismos vivos e valeu o Prêmio
Nobel de Química a suas criadoras quatro anos atrás. A tecnologia de mRNA, que
já propiciou a rápida criação de vacinas contra a covid-19, sugere a
possibilidade de “vacinas para qualquer coisa”, favorecendo a prevenção e
possível eliminação da maioria das doenças infecciosas naturais.
Se
o Nobel de Química de 2020 premiou o engenho puramente humano, o deste ano
reconheceu Demis Hassabis e John Jumper, do Google DeepMind, pelo desenvolvimento
do AlphaFold, modelo de IA que promete transformar a biomedicina e a
biotecnologia ao desvendar as estruturas tridimensionais das proteínas. Com a evolução
acelerada da IA, novas ferramentas igualmente revolucionárias podem surgir em
ritmo exponencial.
Em
doenças como o câncer, a IA pode viabilizar tratamentos altamente
personalizados, ajustados ao perfil genético específico de cada tumor. Esse
tipo de medicina de precisão, hoje trabalhosa e cara, se tornaria escalável,
reduzindo drasticamente as taxas de mortalidade. Além disso, a IA pode abrir
caminho para métodos avançados de proteção ou cura de doenças genéticas, como
intervenções que utilizem versões otimizadas do CRISPR, visando corrigir
predisposições a certas condições ainda na fase embrionária.
No
campo da neurociência, Amodei antecipa melhorias semelhantes. A contribuição da
IA em áreas tradicionais como biologia molecular e genética é especialmente
promissora para a saúde mental, na qual muitos transtornos psiquiátricos ainda
são pouco compreendidos e difíceis de tratar. A pesquisa assistida por IA
poderia levar à invenção de novos medicamentos que modulem neurotransmissores
com maior precisão, melhorando o humor e a cognição, propiciando maior
bem-estar emocional. Ela também poderia aprofundar nosso entendimento das bases
genéticas das doenças mentais, permitindo medidas preventivas semelhantes às aplicadas
para a saúde física, além de reduzir brutalmente o tempo necessário para
desenvolver tratamentos ou até mesmo curas para distúrbios complexos como
depressão e esquizofrenia.
Amodei
não deixa de tratar de outros impactos positivos que a IA poderia ter para a
sociedade, como aqueles relativos ao desenvolvimento econômico e à redução da
pobreza. Na agricultura, por exemplo, ela poderia impulsionar a engenharia
genética e provocar uma segunda Revolução Verde, aumentando os rendimentos das
colheitas, otimizando fertilizantes e automatizando processos para tornar a
produção de alimentos mais eficiente e resiliente. Ao fortalecer a segurança
alimentar, a IA pode ajudar a reduzir o fosso econômico entre países ricos e
pobres. Além disso, soluções baseadas em IA para as mudanças climáticas – como as
relacionadas a remoção de carbono ou energia limpa – poderiam mitigar os problemas
ambientais que afetam desproporcionalmente as nações em situação mais
vulnerável.
A
aceleração das descobertas científicas permitirá, assim, enfrentar alguns dos desafios
mais urgentes da humanidade. Se desenvolvida de forma responsável, uma IA
poderosa tem o potencial de melhorar radicalmente as nossas vidas. Bom terminar
o ano com uma perspectiva otimista. Feliz 2025!
Eduardo Felipe Matias é autor
dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas,
ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups.
Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas
universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, é
professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial de Elias, Matias
Advogados
Artigo originalmente publicado na coluna
Na Fronteir@ da revista Época Negócios em dezembro de 2024.
Avenida Paulista, 1842,16º andar • Conjunto 165 01310-200 – São Paulo/SP – Brasil
+55 (11) 3528-0707
Atuação: COMERCIAL, CONTRATOS E INTERNACIONAL, INOVAÇÃO E STARTUPS, SOCIETÁRIO, SUSTENTABILIDADE