Leis obrigam redes a
moderar conteúdo e acaba com publicidade dirigida com base em dados sensíveis;
multas chegam a 6% do faturamento anual – para a Meta, punição chegaria a US$ 7
bilhões
Matheus Goto
Um novo capítulo começou a ser
escrito na história das big techs. Para se adequar ao que foi determinado
por duas novas leis aprovadas na União Europeia, as gigantes da tecnologia terão
que se submeter a regras que visam acabar com o monopólio no setor, promover
mais transparência na negociação de anúncios e limitar práticas consideradas
injustas.
As regulações abordam o conceito
de gatekeepers, usado para caracterizar as empresas como grandes
controladoras de acesso à informação. Segundo os documentos, as plataformas
tiveram durante muito tempo o poder de atuar como legisladores privados,
intermediando a relação entre empresas e consumidores. Mas isso precisa mudar.
“A Europa surge para pôr o dedo
na ferida e colocar em xeque o modelo de negócios das grandes empresas”, afirma
Eduardo Felipe Matias, pesquisador visitante na Universidade de Stanford e
sócio do escritório Elias, Matias Advogados. “Há uma preocupação com a coleta
de informações de usuários para a recomendação de anúncios, o gerenciamento e
uso de conteúdo das plataformas a favor de uma agenda própria e o
impulsionamento de fake news e desinformação.”
As duas leis aprovadas pelo
Parlamento Europeu foram a Lei de Mercados Digitais (DMA na sigla em
inglês), em março, e a Lei de Serviços Digitais (DSA), em abril. O
prazo condicional para elas entrarem em vigor é janeiro de 2024, mas o advogado
acredita que as primeiras mudanças já poderão ser percebidas no ano que vem.
Para as big techs que não
cumprirem as medias, as multas são salgadas. As punições podem chegar a 6% do
faturamento anual da empresa – para a Meta, elas chegariam à casa dos US$
7 bilhões, com base nos resultados de 2021. “Multas irrisórias não adiantariam
para empresas desse porte”, diz Matias.
Quebra do Monopólio
A Lei de Mercados Digitais impõe
o conceito de interoperabilidade entre plataformas - ou seja, a capacidade de
um usuário do WhatsApp poder se comunicar com outro do Telegram,
por exemplo. “É uma tentativa de quebra de monopólio”, comenta o advogado. “A
partir do momento que uma rede se sobressai em número de usuários, ela passa a
ser a preferencial.” Mas, se as redes compartilharem os usuários, isso não
acontecerá mais
Segundo Matias, quando o
monopólio é estabelecido, é difícil quebrá-lo, pois novas redes emergentes não
conseguem concorrer. “Para as pessoas trocarem o Facebook por outra
plataforma, por exemplo, esta precisa ter um número considerável de pessoas,
que justifique a troca. A interoperabilidade surge para mudar isso.
Outra medida que reforça a quebra
de monopólio é a proibição da autopromoção e do favorecimento de produtos
próprios. Isto é, o Google não vai poder favorecer o anúncio de um
produto seu entre os resultados de busca da sua plataforma, e a Apple não vai
poder impedir o usuário de utilizar outras lojas de aplicativos além de sua
própria.
Moderação de conteúdo
A Lei de Serviços Digitais é
voltada para o conteúdo. “Por mais que as plataformas tenham um sistemas para
moderar conteúdo, sempre escapam posts com discurso de ódio, por exemplo, que
geram um volume muito grande de interações.”
Segundo o pesquisador, muitas
vezes é difícil identificar e remover o conteúdo na rede. “Os algoritmos não
são perfeitos, não entendem todas as nuances de um post.” Ele ilustra esse
argumento com casos de remoção equivocada de publicações de mulheres
amamentando, como se fosse algo impróprio.
“As leis europeis criam
parâmetros mínimos para que as empresas detectem conteúdo ilegal e informações
incompatíveis de acordo com termos e condições.” Entre os pontos estabelecidos
estão a permissão aos governos europeus para solicitar a remoção de conteúdo
ilegal (que promova terrorismo, abuso infantil e discurso de ódio) e a
possibilidade de os usuários também sinalizarem esse tipo de conteúdo de
“maneira fácil e eficaz”.
Matias diz que a ideia é ter leis
comuns a todos – para que não seja preciso depender apenas da autorregulação –
e dar mais transparência às decisões tomadas. “As empresas vão ter que prestar
contas e apresentar relatórios periódicos sobre a moderação de conteúdo, para
que a sociedade possa verificar o que está sendo feito, de acordo com a lei.”
Outra resolução é a proibição de
publicidade dirigida a crianças ou com base em dados sensíveis como religião,
sexo, raça e opiniões políticas. “Essa é a grande queda de braço entre
legisladores e big techs, pois elas vendem anúncios com base nos perfis dos
usuários.” As novas regras têm o potencial de reduzir drasticamente a receita
de empresas como Google e Meta, por exemplo. Por outro lado, melhoram a vida do
consumidor, que não precisa mais fugir de anúncios direcionados.
A regra também contribui para
melhorar as timelines dos usuários nas redes: além de receber menos conteúdo
publicitário personalizado, os internautas poderão optar por um feed
cronológico. “Hoje, as pessoas veem o que os algoritmos querem que vejam, com
base no perfil criado para elas.”
E em outros países?
Para o advogado, a tendência é que outros países aprovem medidas semelhantes, obrigando as big techs a adequar seus serviços globalmente. “Existe um consenso de que a Europa está na ponta da discussão sobre essas questões. Podem até haver adaptações de acordo com a região, mas as propostas regulatórias tendem a ser copiadas pelo mundo todo. No Brasil, não será diferente.”
Entrevista originalmente
publicada na Época Negócios em 03 de junho de 2022. Acesse aqui: link
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