Na
Fronteir@
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Grandes
demais para não regular
A discussão sobre o controle das
plataformas deve incluir a preocupação com o poder econômico dessas entidades,
e com a possibilidade de que elas venham a limitar a concorrência, prejudicando
a inovação
Eduardo
Felipe Matias
Autor
dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas,
ganhadores do Prêmio Jabuti, e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor
em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de
Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial
de Elias, Matias Advogados
A
influência das plataformas as tem colocado sob os holofotes. Embora o debate
público venha focando principalmente na onda de desinformação nesses espaços, outro
problema merece atenção: os possíveis efeitos concorrenciais negativos trazidos
pelo acúmulo de poder por essas entidades, que são inclusive objeto de uma
tomada de subsídios em curso no Brasil, promovida pelo governo federal para
colher ideias que contribuam para formular políticas públicas nessa área.
Plataformas são ambientes digitais
que abrangem desde as redes sociais e assistentes virtuais até os serviços de
busca na internet, mensagens instantâneas, computação em nuvem e
compartilhamento de vídeos. As mais relevantes são controladas por grandes empresas de
tecnologia, as chamadas “big techs”, que crescem cada vez mais.
Em
2008, apenas uma das 10 maiores empresas do mundo por valor de mercado – a Microsoft
– era baseada
em tecnologia. Em 2024, esse número aumentou para 6. Delas, 5
detêm plataformas. Microsoft e Apple, que têm se revezado na liderança desse
ranking, valem por volta de 3 trilhões de dólares cada.
O crescimento das big techs se deve a vários fatores. O primeiro
deles é a digitalização da economia, acentuada pela pandemia da COVID-19, que tornou
a sociedade ainda mais dependente dos produtos e serviços por elas oferecidos.
Negócios
digitais, que se baseiam em códigos de computador e aplicativos em vez de ativos
físicos, têm baixíssimo custo marginal de produção,
reprodução e distribuição. Uma vez que os investimentos iniciais tenham sido
feitos, pode-se atender clientes adicionais por quase nada, o que acarreta ganhos de
escala crescentes.
Ao alcançarem um tamanho considerável, as
plataformas se beneficiam do chamado “efeito de rede”. Em contraste com a maioria dos produtos e serviços, cujo valor para
cada indivíduo independe ou até diminui pela existência de muitos usuários, a
atratividade de uma plataforma cresce à medida que mais pessoas a adotam. Quando uma pessoa compra a mesma roupa que outra, isso não faz esse item
ficar mais atraente – às vezes, até o contrário. Mas se uma pessoa faz o upload
de um vídeo no YouTube, isso torna esse serviço mais valioso para as demais –
mais vídeos atraem mais usuários para o site, o que por sua vez atrai mais
criadores de vídeos.
Esse efeito é especialmente notado nas redes sociais online, que atualmente
reúnem quase 5 bilhões de pessoas – só o Facebook tem mais de 3 bilhões de
usuários. Nelas, o principal objetivo é se relacionar com outras pessoas e acessar
o conteúdo por elas compartilhado. Em uma rede de comunicação fechada, um
usuário só pode se comunicar com outro da mesma rede. É como ter um telefone
que só faz ligações para aparelhos do mesmo fabricante. Mesmo que preferisse um
modelo de outra marca, a pouca utilidade deste levaria você a comprar um
aparelho da mesma marca que seus contatos possuem. Da mesma forma, a utilidade
de uma rede social fechada depende do número de pessoas com as quais você pode
interagir. Se sua turma de amigos está no Instagram, você abrirá uma conta no Instagram.
Outro fator que motiva a concentração é que, à medida que seus
produtos e serviços são utilizados, as big techs coletam dados que servem para aprimorar o desempenho de seus algoritmos, o que é especialmente importante para negócios
baseados em inteligência artificial (IA).
O Google, por exemplo,
processa 8,5 bilhões de buscas todos os dias, o que lhe garante os dados
necessários para aperfeiçoar seu motor de busca. Os anunciantes, sabendo que é a
essa plataforma que as pessoas se dirigirão quando quiserem procurar alguma
coisa, pagam mais para estarem nela. Isso garante ao Google mais recursos para
melhorar seu produto, atraindo ainda mais usuários. Para cada usuário
individual que gostaria de mudar de serviço, o conhecimento acumulado que a
plataforma dominante tem dele confere a esta uma vantagem significativa sobre
um concorrente que ainda não conhece essa pessoa e, por isso, não pode
personalizar serviços para ela. Isso faria as indústrias que dependem da IA tenderem naturalmente ao
monopólio.
Logo, o ganho de escala proveniente da
digitalização, o efeito de rede e o acúmulo de dados produzem uma dinâmica do
tipo “o vencedor leva tudo”. Isso vai de encontro ao que as big techs costumam sugerir
em sua defesa: que bastaria simplesmente optar por outro prestador de serviços,
afinal, “a competição estaria
apenas a um clique de distância”. Essa ideia, que até poderia ser verdadeira
nos primórdios da internet, não retrataria mais a realidade.
Algumas plataformas são a única
maneira pela qual certas pessoas estão conectadas. Ao sair delas, um usuário
pode perder de vista amigos ou familiares distantes, ou mesmo cortar o contato
com seus clientes. As perdas resultantes dessa mudança representam um “custo de
troca”. Este gera outra barreira de entrada significativa para o surgimento de
plataformas alternativas, prejudicando a concorrência e, com isso, potencialmente
inibindo a inovação no setor.
Na crise financeira global de 2008,
notou-se, tarde demais, que algumas empresas haviam se tornado “grandes demais
para quebrar”, pelos efeitos negativos que sua falência produziria sobre todo o
sistema. Essa constatação foi seguida do socorro público a elas e de tentativas
de se aperfeiçoar a legislação, para evitar que a situação voltasse a se
repetir. Hoje, a percepção é que as big techs e suas plataformas, pelo impacto
que produzem sobre a sociedade, teriam virado grandes demais para serem
ignoradas pelas autoridades. É uma boa hora para discutirmos seu papel.
Eduardo
Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e
suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e
coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional
pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley
e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial de Elias, Matias
Advogados
Artigo originalmente publicado em 19 de março de 2024 na
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