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Fechando o cerco

18 Fevereiro 2021/ Notícias & Artigos/

Novo rumos da agenda climática trazem oportunidades para o Brasil

Por Andrea Vialli

 

O ano de 2021 promete acelerar a agenda socioambiental no mundo todo: a posse do democrata Joe Biden, que trouxe a tiracolo o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris e um plano de recuperação da economia americana que prevê US$ 2 trilhões para financiar atividades de baixo carbono, já coloca as discussões sobre sustentabilidade em um novo patamar. Aliado a isso, a comunidade de investidores segue apostando na importância dos fatores ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) para o direcionamento dos recursos.

Em janeiro, a tradicional carta ao mercado de Larry Fink, CEO da gestora de ativos BlackRock, instou empresas a apresentarem planos específicos de alinhamento de seus negócios a uma economia neutra em carbono até 2050. A Europa, que tem um plano de recuperação de € 750 bilhões também com foco na retomada verde, está cada vez mais propensa a adotar acordos comerciais e fazer negócios com lastro em sustentabilidade. Em novembro, a COP-26, a conferência das Nações Unidas sobre clima, que será realizada em Glasgow, na Escócia, deverá ditar os rumos que a agenda climática deve seguir nos próximos anos.

Trata-se de uma sinalização clara para os negócios. O cerco está fechando para práticas não sustentáveis, e o Brasil tem amplas oportunidades nesse cenário, por ser um país abundante em recursos naturais, com matriz energética considerada limpa, além de deter florestas e biodiversidade que permitem gerar serviços ecossistêmicos. É preciso, porém, alinhar políticas públicas e o setor privado em um plano comum que permita ao país sinalizar ao mundo, com clareza, que está disposto a surfar nas grandes ondas da transição para a economia de baixo carbono.

“O Brasil tem dois caminhos: ou fica ativo nessas questões, ou fica reativo. Temos legitimidade em uma economia mais limpa e muitas vantagens nessa corrida, mas antes é preciso pacificar questões importantes para fortalecer a narrativa”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne mais de 60 grupos empresariais.

Entre as questões prioritárias a serem resolvidas, está a insegurança jurídica em relação à regularização fundiária e combate ao desmatamento, que responde por mais de 40% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil e cujas taxas aceleram nos últimos dois anos. Se o ritmo de desmatar 9.178 km2 de floresta amazônica por ano se mantiver, como foi registrado em 2019, algumas das metas assumidas no âmbito do Acordo de Paris não serão cumpridas.

Marcello Brito, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, tem a mesma opinião. “O desmatamento ilegal é nossa mácula, o problema maior que afeta a imagem do Brasil”, afirma. A Coalizão representa mais de 200 empresas e associações ligadas ao agronegócio e setor florestal entre outras, e atua em favor de aumentar a produtividade dos setores com base em boas práticas sociais e ambientais e na interlocução com governo e instituições.

Para Brito, que também preside a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o Brasil avançou em modernizar o Código Florestal em 2012, mas sua implementação tem sido muito lenta. “Estamos no terceiro governo desde que a lei foi aprovada e continuamos com problemas de compliance, que não nos dá a segurança necessária para conclamar ao mundo que o Brasil está fazendo sua parte para combater o desmatamento ilegal”, diz Brito.

O agronegócio deve seguir como um dos setores mais pressionados, tanto pela dependência da transformação do uso da terra para a produção de riquezas, tanto pela competitividade inerente ao Brasil: está na linha de frente das pressões envolvendo acordos comerciais, como o da União Europeia e Mercosul, e também está radar de Joe Biden, que já sinalizou o interesse em colaborar com a preservação da Amazônia com a cifra de US$ 20 bilhões.

“O Brasil, se quiser aumentar o comércio com os EUA por meio de novos acordos de livre comércio, precisará estar atento a cláusulas de respeito ao meio ambiente, assim como no acordo União Europeia e Mercosul”, explica Eduardo Felipe Matias, doutor em direito internacional e autor do livro “A Humanidade contra as cordas”, sobre relações internacionais e sustentabilidade.

Embora essas exigências possam mascarar intenções protecionistas, a ascensão de Biden à Casa Branca colocou a questão ambiental no cerne da política externa, de segurança nacional e da retomada econômica dos EUA. Biden, que deve apresentar uma nova NDC (contribuição nacionalmente determinada) na Cúpula dos Líderes sobre o Clima no Dia da Terra, evento previsto para abril, já sinalizou com o compromisso de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050.

No campo dos investimentos, a agenda ESG vem ganhando corpo nos últimos anos e acabou acelerada pela pandemia de covid-19. Em 2021, a tendência é que siga em alta: foi um dos temas mais abordados durante o Fórum Econômico Mundial, no fim de janeiro, e está presente na Pesquisa de Percepção de Riscos Globais, que todos os anos é apresentada no evento. Na edição de 2021, os eventos climáticos extremos são uma ameaça de curto prazo para 52,7% dos respondentes; já a crise dos recursos naturais é vista como preocupante no longo prazo por 43,9%.

“O ESG ficou muito em evidência, mas está longe de ser um conceito novo. O que se vem se materializando é um avanço nas informações disponíveis sobre esses aspectos e uma visão clara, por parte dos investidores, que se trata de gestão e mitigação de riscos”, diz Carolina da Costa, especialista em ESG da gestora Mauá Capital e professora do Insper. A gestora tem sido muito procurada por empresas interessadas em utilizar o mercado de capitais para acessar investimentos para aprimorar sua gestão socioambiental - são de setores como mineração e petroquímica que também buscam levar os padrões ESG para suas cadeias de valor.

Outro termômetro da evolução da temática ESG no Brasil e na América Latina é a adesão ao CDP (Carbon Disclosure Project), organização global sem fins lucrativos que tem como objetivo estimular a transparência das empresas nas questões de clima, recursos hídricos e florestas. Para isso, conta com a adesão de investidores institucionais signatários, que questionam as empresas listadas nas principais bolsas de valores do mundo.

Em 20 anos, o CDP saltou de 35 investidores signatários para 525, que possuem, juntos, US$ 95 trilhões em ativos sob gestão. A adesão das companhias ao reporte ambiental também cresceu exponencialmente: de 245 para mais de 8.500, sendo mais de 1.000 na América Latina. O CDP também mapeia o total que as companhias investem para redução das emissões de gases de efeito estufa. A cifra triplicou nos últimos quatro anos, saltando de US$ 2,1 bilhão em 2016 para US$ 6,3 bilhão em 2019, só na América Latina.

“O movimento é nítido e crescente, e as empresas do Brasil serão mais cobradas pelos seus stakeholders, sejam investidores solicitando informações ESG, ou consumidores buscando processos produtivos que conservem florestas e direitos humanos”, diz Gustavo Souza, gerente de políticas públicas do CDP América Latina.


A matéria foi originalmente publicada no Valor Econômico. Clique aqui: link



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