O impacto dos motores de busca
baseados em IA generativa
Novas ferramentas se somam
a outros fatos recentes que podem provocar mudanças significativas nos mercados
de publicidade e de buscas online
Eduardo Felipe Matias
O surgimento de motores de busca
baseados em IA generativa, como o SearchGPT da OpenAI, lançado como protótipo,
e o AI Overviews do Google, promete transformar tanto o mercado publicitário
quanto o de buscas online.
Essas duas ferramentas se valem dos grandes modelos de linguagem avançados
desenvolvidos por essas empresas para fornecer respostas diretamente na página
de resultados da busca, diminuindo a necessidade de os usuários clicarem em
links para sites externos.
O mercado de publicidade online é uma parte vital do ecossistema digital, sendo
uma fonte substancial de receita para produtores de conteúdo como sites de
notícias e blogs. Em 2023, este foi avaliado em aproximadamente US$ 245
bilhões. Ele é dominado por gigantes como a Meta e o Google, que abocanham
quase 60% da receita global de anúncios. Essas empresas, no entanto, não são
produtoras de conteúdo, mas intermediárias que agregam e direcionam os usuários
para vários sites, enquanto monetizam esse tráfego por meio de anúncios
direcionados.
Os novos tipos de buscadores estão prestes a perturbar esse cenário. Estudos
sugerem que há uma grande probabilidade de que, ao serem suficientes para
satisfazer a curiosidade dos usuários, eles diminuirão o número de visitas aos
sites que contêm os conteúdos originais.
Um estudo realizado pela prestigiada revista The Atlantic, por exemplo, prevê
uma chance de 75% de que a busca por IA do Google desestimule os usuários a
visitarem sua página. Dado que cerca de 40% dos visitantes online da The
Atlantic são direcionados a partir de buscas no Google, a implementação da nova
ferramenta poderia reduzir consideravelmente a audiência daquela publicação e,
consequentemente, sua receita proveniente de anúncios.
Essa preocupação dos veículos de mídia vem se somar àquela relacionada à
propriedade intelectual, que já tinha levado algum deles a acionar
judicialmente empresas como a OpenAI, exigindo compensação pelo acesso a seus
conteúdos protegidos por direitos autorais para treinar modelos de IA. O
lançamento do SearchGPT poderia agravar esse quadro. A fim de se precaver, a
OpenAI tem firmado parcerias estratégicas com grandes veículos de mídia, como
Vox, News Corp, Axel Springer e a própria The Atlantic.
Além de permitir que a OpenAI utilize o conteúdo desses veículos para treinar
seus modelos de IA, esses acordos têm o objetivo de garantir que as publicações
originais sejam citadas nas respostas geradas pelos sistemas da empresa, o que
proporcionaria maior visibilidade para os sites de seus parceiros. O AI
Overviews procura fazer o mesmo, ao destacar, ao lado de seus resumos, alguns
links para as fontes originais - o Google, inclusive, alega que, como grande
parte de sua receita vem de anúncios em outros sites, ele não teria interesse
em desviar esse tráfego.
Além do mercado publicitário, as novas ferramentas têm o potencial de abalar
também o mercado de buscas online, o qual foi avaliado em mais de US$ 200
bilhões em 2023, com projeções indicando que superará US$ 500 bilhões, até
2032.
Aqueles que defendem a adoção dos buscadores de IA generativa argumentam que,
ao fornecerem respostas rápidas e concisas, eles melhoram a experiência geral
dos usuários. Com isso, estes tenderiam a preferir essas ferramentas aos
motores de busca tradicionais - lembrando que o ChatGPT, que embora não seja um
buscador, segue a mesma lógica de respostas únicas construídas a partir de
grandes modelos de linguagem, foi o produto de tecnologia que historicamente
conquistou mais utilizadores em menos tempo, atingindo 100 milhões de usuários
ativos mensais apenas dois meses após seu lançamento.
Uma migração rápida para as novas ferramentas poderia reconfigurar um setor
que, como outros relacionados à tecnologia, costuma se caracterizar por uma
lógica do tipo “o vencedor leva tudo”, em que os efeitos de rede e as economias
de escala tendem a produzir monopólios.
É verdade que o Google tem a sua própria versão desse tipo de buscador, mas não
se sabe qual deles ganhará a preferência do público. De todo modo, o fato é que
a competição decorrente do desenvolvimento dessas ferramentas pode representar
uma ameaça ao domínio dessa empresa - atualmente, a participação do Google no
mercado global de buscas supera os 90% e, no Brasil, é de mais de 95%.
Esse monopólio, que já começava a sofrer certa erosão com a tendência das novas
gerações a trocar os buscadores tradicionais pelas redes sociais, vem também
sendo questionado em juízo, como na ação iniciada pelo Departamento de Justiça
dos Estados Unidos e por procuradores-gerais de vários estados, que alegam que
este se vale de contratos de exclusividade com empresas como Apple e Samsung
para garantir que seu motor de busca seja o mecanismo padrão em dispositivos
dessas companhias. Na semana passada, em um revés para o Google, o Tribunal do
Distrito de Columbia concluiu que este teria violado as leis antitruste ao
sufocar rivais para proteger sua posição dominante.
Qual será o impacto disso tudo nos mercados de publicidade e de buscas online?
O tempo dirá, mas é bem possível que estes passem por grandes mudanças nos
próximos meses.
** Eduardo Felipe Matias é sócio da área empresarial de Elias, Matias
Advogados. Autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade
contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco
Legal das Startups.
Artigo originalmente publicado
em 22 de agosto de 2024 no Broadcast do Estadão/Agência Estado.
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