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Em sua coluna no Estadão/Broadcast, Eduardo Felipe Matias trata do impacto da IA sobre o trabalho e a renda

17 Junho 2024/ Notícias & Artigos/

O impacto da IA sobre o trabalho e a renda

Difusão da inteligência artificial deve ter efeitos sobre o mercado de trabalho e a distribuição de renda diferentes de revoluções tecnológicas anteriores

Eduardo Felipe Matias


A preocupação com o impacto da automação no mercado de trabalho pelo uso de máquinas e, mais recentemente, de algoritmos em tarefas anteriormente realizadas por humanos tem sido uma constante histórica, o que inclusive levou o economista John Maynard Keynes a formular, em 1930, a expressão “desemprego tecnológico”.

A automação física após a Revolução Industrial e, nas últimas décadas, a integração da informática às atividades profissionais, ao atingirem tarefas rotineiras, afetaram predominantemente operários e trabalhadores com menor grau de instrução. Os últimos avanços da IA – como a IA generativa – ao contrário, se estendem a funções cognitivas, podendo exercer tarefas que exigem análise sutil de dados e resolução criativa de problemas, até hoje dominadas por profissionais de colarinho branco altamente qualificados e mais bem remunerados.

Por isso, a disseminação da IA tem o potencial de acentuar os efeitos das revoluções tecnológicas anteriores, contribuindo para uma transformação ainda mais ampla e profunda no mercado de trabalho e na distribuição de renda.

Essa é a conclusão de um estudo divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no início deste ano, segundo o qual quase 40% dos empregos globais estão expostos à IA. Nas economias avançadas, a exposição é maior: cerca de 60% dos empregos seriam impactados, devido à predominância do setor de serviços e de indústrias maduras com ocupações orientadas para tarefas cognitivas complexas. Porém, ainda que cerca de metade desses empregos possa ser negativamente afetada, a outra metade tende a se beneficiar da produtividade aumentada pela IA. Já nas economias emergentes e nos países de baixa renda, muitas vezes ainda dependentes de trabalhos manuais e indústrias tradicionais, a exposição total seria de 40% e 26%, respectivamente. No Brasil, seria de 41%.

O estudo distingue ocupações de “alta exposição e alta complementaridade”, como as relacionadas a cargos gerenciais, que se beneficiam da automatização de certas tarefas, das de “alta exposição e baixa complementaridade”, como as de apoio administrativo e técnico, que correm maior risco de ser prejudicadas. Nas economias avançadas, 27% dos empregos estão na primeira categoria e 33% na segunda, comparados a 16% e 24% nas economias emergentes e 8% e 18% nos países de baixa renda.

Níveis mais altos de educação, normalmente encontrados em países desenvolvidos, estão associados a uma parcela maior de empregos de alta exposição e alta complementaridade. Isso faz com que estejam melhor posicionados para aproveitar as oportunidades de crescimento resultantes do uso da IA, o que atenua seu maior risco de deslocamento do trabalho.

Economias emergentes e países de baixa renda devem sofrer menos imediatamente, mas podem não ter acesso aos ganhos de produtividade da IA, por falta de infraestrutura e de capital humano qualificado. No setor de serviços, novas tecnologias podem levar à relocalização de atividades de regiões menos desenvolvidas para países tecnologicamente mais avançados – call centers em economias emergentes, por exemplo, podem ser trocados por soluções de IA generativa. O resultado seria o agravamento da desigualdade econômica entre os países.

A IA também pode acentuar a disparidade de renda dentro de cada país. Isso depende principalmente do quanto a IA substitui ou complementa os trabalhadores e, nesta segunda hipótese, da forma como o faz. Havendo alta complementaridade, os trabalhadores que ganham salários mais altos podem esperar um crescimento mais do que proporcional em sua renda, o que levaria a um aumento na desigualdade. Além disso, à medida que a adoção da IA venha a deslocar para o capital – as máquinas – tarefas anteriormente executadas pela força de trabalho, haverá uma queda da renda desta última em relação à renda total.

Muitos comparam o período atual com o da transição da sociedade agrícola para a industrial, que presenciou a maior movimentação laboral já vista. Otimistas acreditam que, assim como a Revolução Industrial criou muitos empregos em áreas novas, o mesmo ocorrerá agora com a IA. Entretanto, aquela transição ocorreu ao longo de um século, se estendendo por diferentes gerações. Já a revolução da IA, cuja escala pode ser semelhante, deve acontecer dentro da vida de alguns profissionais. Pessoas cujos empregos serão automatizados terão que se requalificar em poucos anos para talvez, pouco tempo depois, ver suas novas profissões também serem automatizadas, precisando enfrentar outro período de requalificação.

O treinamento e realocação desses trabalhadores é um processo complexo e demorado. Novas tarefas exigem novas habilidades, e não se pode presumir que o ajuste do mercado de trabalho ocorrerá rapidamente. Respostas a isso, que passam, por exemplo, por discussões sobre a reformulação dos sistemas de ensino e a implementação de uma renda básica universal, devem se intensificar nos próximos anos.

 

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

 

Artigo originalmente publicado em 14 de junho de 2024 no Broadcast do Estadão/Agência Estado.



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