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Eduardo Felipe Matias é coautor de livro da ESPM sobre o direito do futuro

14 Outubro 2024/ Notícias & Artigos/

"Seja curioso. Abrace tendências. Desenvolva habilidades. Repita" é o título do artigo de Eduardo Felipe Matias no livro “Eu, advogado? O futuro do Direito e o Direito do futuro”, lançado pela ESPM. 

A obra reúne 21 juristas renomados, entre os quais Michel Temer, Ives Gandra Martins, José Eduardo Cardozo, Alberto Toron e Thomas Felsberg. Com 230 páginas, a obra aborda as transformações no Direito em face da revolução digital e serve como guia para jovens aspirantes a advogados, oferecendo uma visão inovadora e atualizada sobre as tendências futuras da profissão. 

Em seu artigo, o sócio do Elias, Matias Advogados comenta as mais importantes tendências atuais do Direito e destaca que, sem aderir às inovações tecnológicas, os advogados correm o risco de ficar para trás. Leia o texto na íntegra abaixo, ou acesse o PDF aqui: link

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"Seja curioso. Abrace tendências. Desenvolva habilidades. Repita"

Eduardo Felipe Matias


A definição de qual carreira se irá seguir é um dos momentos mais importantes da vida. Ela é mais difícil nestes tempos em que o mundo passa por transformações aceleradas. Novas profissões irão surgir, e as tradicionais ganharão novos significados.

Nesse contexto, por que escolher o Direito e, especialmente, a advocacia? O que fazer para ter sucesso nesse ofício?

O advogado do futuro – ou advogada, pois esta é uma profissão em que as mulheres já são maioria e cada vez mais se destacam – é aquele disposto a aprender sempre, a acompanhar as principais tendências da atualidade, e a desenvolver novas habilidades.

 

A força da curiosidade 

Vamos começar pelas qualidades que podem contribuir para que um advogado tenha êxito. Inúmeras poderiam ser mencionadas, e grande parte delas serve, é claro, para diversas profissões. Porém, se for preciso escolher uma qualidade que quem cogita seguir a carreira jurídica deve ter, esta é a curiosidade.

A curiosidade não apenas enriquece a mente, mas também, em um campo tão vasto e complexo quanto o Direito – especialmente no Brasil, cujo sistema jurídico é frequentemente criticado por sua legislação volumosa e intrincada – prepara o profissional para se adaptar a mudanças inevitáveis e constantes.

O Direito não é estático. Ser um advogado curioso significa estar sempre à frente, se atualizando e acompanhando as alterações que as leis venham a sofrer. Não só as leis mudam, mas as interpretações dos tribunais evoluem, e novas questões legais surgem à medida que a sociedade progride.

A curiosidade é um traço a ser cultivado. Ela deve vir acompanhada de um compromisso com o aprendizado contínuo, o que leva o advogado a seguir se educando ao longo da vida. É preciso estar sempre se instruindo e, consequentemente, sempre crescendo. Nesse processo, outra habilidade crucial é necessária: a capacidade de fazer as perguntas certas. Seja em sala de aula, seja durante uma conversa com um cliente, ou em um tribunal, saber questionar (e se questionar) efetivamente, desafiando a sabedoria convencional, é o que muitas vezes diferencia o advogado mediano do fora de série.

Não se trata de buscar um conhecimento superficial. A curiosidade alimenta o desejo de entender não somente o que ditam as leis, mas porque elas foram formuladas e como podem ser aplicadas. Esse espírito investigativo propicia uma compreensão mais abrangente das questões jurídicas e de suas nuances, o que é fundamental em um ofício que se baseia na interpretação e na argumentação.

Finalmente, a curiosidade estimula a pessoa a participar de comunidades distintas, jurídicas ou não, como grupos de discussão e associações profissionais. A interação com colegas de outras especialidades pode inspirar ideias e abordagens inovadoras, abrindo espaço para a criatividade na resolução de problemas.

Ser curioso, portanto, impulsiona a carreira jurídica e contribui significativamente para o sucesso dos advogados em uma área em constante evolução.

 

Abraçando tendências

A curiosidade é mãe do pioneirismo. Estar atento às mudanças sociais e econômicas e disposto a mergulhar em águas pouco exploradas pode levar a descobertas que abrirão oportunidades na carreira.

O advogado do futuro (e de futuro) é aquele que está antenado a novas tendências.

Sempre foi assim. Tive em minha vida um bom exemplo disso no Prof. Luiz Olavo Baptista, que foi titular da cadeira de Direito do Comércio Internacional da Universidade de São Paulo, ao lado de quem trabalhei por 17 anos, primeiro como seu estagiário, depois como seu sócio. O LOB, como era chamado no escritório, era curioso e, com isso, esteve na vanguarda de vários movimentos do Direito. Foi, por exemplo, um dos primeiros advogados a utilizar o instrumento das joint ventures no Brasil. Também foi um dos que esteve à frente, ao lado do Prof. José Carlos de Magalhães – outro advogado como poucos, que tive a sorte de ter como orientador em meu doutorado –, da introdução da arbitragem no País, quando essa forma alternativa de resolução de disputas, hoje muito difundida, era um instituto pouco utilizado por aqui.

O Direito não opera no vácuo. Ele é reflexo da sociedade e seus valores, conflitos e aspirações.

Questões relacionadas a diversidade e inclusão têm ganhado destaque nos últimos anos. A mobilização por maior igualdade de gênero e raça vem modelando as práticas corporativas. Isso também se aplica a movimentos contra o assédio sexual no trabalho, como o #MeToo. Advogados atentos a isso podem liderar a implementação de políticas de compliance nas empresas que atendem, defendendo os direitos de grupos historicamente marginalizados.

O reconhecimento crescente de estruturas familiares não tradicionais e dos direitos das comunidades LGBT+ leva a uma modernização das leis que governam casamento, adoção e direitos parentais. A tendência demográfica ao envelhecimento da população mundial traz uma pressão por reformas no sistema de previdência social e pode aumentar a demanda por serviços jurídicos em diferentes áreas, do direito da saúde ao planejamento patrimonial. A valorização da saúde mental nos ambientes profissionais tem efeitos sobre o direito trabalhista. Este também é afetado pelo surgimento da “gig economy”, que provoca discussões sobre o tratamento a ser dado àqueles que trabalham utilizando plataformas de transporte particular como o Uber, ou de entregas em domicílio como o iFood.

Após a pandemia do covid-19, ficou claro que as interações online vieram para ficar. Isso afeta diversas áreas. Novamente no direito trabalhista, o trabalho remoto desperta questões relativas a políticas de teletrabalho. E, na área da saúde, a telemedicina traz indagações sobre privacidade dos pacientes, segurança de dados e conformidade regulatória.

Além da exploração de novos nichos em áreas bem consolidadas, áreas que pareciam esquecidas podem ganhar importância renovada – caso do direito espacial, que voltou a ficar em evidência desde que alguns bilionários donos de big techs começaram a investir no lançamento de foguetes e satélites.

Das inúmeras tendências que poderia apontar, irei me concentrar em três delas que, em quase 30 anos de carreira, instigaram a minha curiosidade ao passarem por meu radar. Estas não só marcaram as últimas décadas, mas certamente continuarão moldando nosso futuro por um bom tempo.

 

Globalização – vivendo em um mundo interconectado

A primeira tendência a despertar meu interesse foi a da globalização. Comecei a estudar esse assunto logo após me formar, ao ingressar no mestrado, e ele foi objeto do meu doutorado, que resultou no livro “A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à sociedade global”.

As lições trazidas pela pandemia e pela Guerra da Ucrânia aumentaram a preocupação dos Estados em diminuir sua dependência das cadeias globais de valor, principalmente em relação a produtos essenciais. Isso levou muitos a falarem em “desglobalização”, mas o fato é que esse processo, em maior ou menor grau de intensidade, veio para ficar.

A internacionalização da economia transformou o campo de atuação legal, expandindo seus horizontes muito além das fronteiras nacionais e impondo aos advogados a necessidade de se familiarizar com uma gama mais ampla de normas e práticas.

Com a globalização, a importância do direito internacional, que abrange áreas que vão do comércio internacional aos direitos humanos, se intensificou.

Esse processo veio acompanhado do surgimento de várias instituições multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e de blocos regionais, como o Mercosul, e da exigência de dominar os mecanismos que facilitam o comércio e o investimento entre os países e que devem ser tidos em conta pelas empresas que desejem expandir suas operações para o exterior. À medida que as transações comerciais cruzam fronteiras, cresce a demanda por se resolver eventuais disputas em um fórum neutro que seja aceitável para todas as partes, o que tem impulsionado a arbitragem internacional, sendo preciso conhecer as câmaras arbitrais que as administram e as suas regras.

Ao se internacionalizarem, as empresas enfrentam um cenário de múltiplas jurisdições fiscais, o que traz maior demanda por especialistas em direito tributário internacional capazes de oferecer a elas um planejamento fiscal eficiente. A fim de garantir que as marcas, patentes e direitos autorais de seus clientes estejam seguros em um mercado global, advogados especializados nessa área devem estar familiarizados também com tratados internacionais como o TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), da OMC. No direito penal, a ampliação da incidência de delitos que transcendem fronteiras nacionais, como ciberataques, tráfico humano e terrorismo, exige que advogados criminalistas saibam lidar com questões complexas de jurisdição e tenham compreensão dos mecanismos de cooperação internacional e tratados de extradição. Além disso, a proliferação de leis anticorrupção abre espaço para aqueles capacitados a orientar a implementação de programas de compliance e a aconselhar sobre a estruturação dos negócios internacionais de forma que minimize os riscos de violação, evitando duras sanções.

A mesma evolução é notada em praticamente todas as áreas do Direito, que respondem com novas regras ao aumento da interdependência entre os povos.

 

Sustentabilidade – princípios ESG transformando as empresas e o Direito

Meu interesse por assuntos relativos à governança global me levou a prestar atenção na segunda tendência que irei abordar aqui: a sustentabilidade.

Havia acabado de publicar meu primeiro livro quando as discussões sobre o aquecimento global começaram a ganhar mais corpo, o que se intensificou sobretudo após a divulgação, em 2007, do 4º Relatório do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que consolidou a visão científica de que o aquecimento global era uma realidade inegável e vinha sendo impulsionado pelo crescimento das concentrações de gases de efeito estufa produzidos pelo homem.

Globalização e sustentabilidade estão diretamente relacionadas, já que a maior parte dos problemas ligados a esta última, inclusive as mudanças climáticas, são globais e devem ser tratados como tal. Isso fez com que me aprofundasse na governança global da sustentabilidade, que foi tema de meu pós-doutorado e deu origem a meu segundo livro, “A Humanidade contra as Cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade”.

O aumento gradual da conscientização pública sobre os efeitos do aquecimento global teve um profundo impacto, influenciando diretamente as negociações internacionais sobre o clima e preparando o terreno para futuras convenções, como o Acordo de Paris em 2015 – resultante da 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21), da qual pude participar – que foi um novo marco para a causa do desenvolvimento sustentável.

Hoje, muitas vezes sob a nova roupagem dos princípios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), a sustentabilidade é uma tendência consolidada, que permeia todas as atividades, e que não pode ser ignorada pelo Direito.

Ao contrário, em resposta à necessidade de proteger o meio ambiente, tem surgido uma complexa rede de normas nacionais e internacionais, padrões e práticas, somadas a conceitos, instituições e princípios próprios, o que permite afirmar que estamos assistindo à criação de um novo ramo jurídico, o Direito Internacional da Sustentabilidade.

Este vai além do direito ambiental tradicional que, é claro, está em alta. A ideia de sustentabilidade abrange diversas áreas, incluindo, por exemplo, a responsabilidade social corporativa (RSC), onde se pode aconselhar as empresas sobre como integrar práticas éticas a suas operações, garantindo que aqueles que sejam afetados por suas atividades e decisões – seus stakeholders – também sejam beneficiados.

Essencial para deter as mudanças climáticas, um campo de atuação em expansão é o das energias renováveis. Advogados nele especializados podem contribuir para a estruturação de projetos de energia solar e eólica, desde a fase de licenciamento. A exigência de descarbonização da economia estimula à invenção de novos tipos de combustíveis, como o hidrogênio verde, e abre oportunidades em setores como o comércio de créditos de carbono, a compensação de gases de efeito estufa e a emissão de green bonds para financiamento.

No setor imobiliário, práticas de construção verde dependerão do auxílio de advogados que guiem as empresas para obter selos como o LEED – sigla em inglês para “Liderança em Energia e Design Ambiental”, sistema de certificação para edifícios sustentáveis amplamente reconhecido internacionalmente, que avalia a eficiência e o impacto ambiental de edifícios.

Por fim, a crescente incorporação dos princípios da sustentabilidade aos acordos comerciais internacionais gerará uma cobrança maior pela adoção de determinadas práticas, como o rastreamento das cadeias produtivas para comprovação de que estas não são nocivas ao meio ambiente ou não utilizam trabalho infantil. Ignorar essa pressão pode trazer riscos para as empresas, até mesmo de reputação.

Ao abraçar a tendência da sustentabilidade, o advogado do futuro não se limita a perseguir o sucesso na carreira, mas busca causar um impacto positivo no mundo. As novas gerações entendem a importância de integrar a seu dia a dia o respeito às pessoas e ao meio ambiente. Além do trabalho pro bono, atuar diretamente com assuntos relacionados à sustentabilidade, ou considerar seus princípios em cada uma das suas atividades, ajuda a conferir propósito ao advogado, aumentando sua realização e seu engajamento com a profissão.

 

Tecnologia – a ascensão da Inteligência Artificial e do Direito Digital

O impacto crescente da inovação tecnológica em nossas vidas é a terceira tendência impossível de ignorar.

Trata-se, novamente, de uma tendência diretamente relacionada à da globalização. As tecnologias que estão impactando a economia e a sociedade, como a internet, com suas redes sociais, e a inteligência artificial (IA), são globais, e por isso demandam uma governança igualmente global. A relação entre tecnologia e Direito despertou meu interesse nos últimos anos de faculdade, quando se falava em “Direito da Informática”. Anos depois, em meu livro A Humanidade e suas Fronteiras, pude analisar, entre outros aspectos da globalização, como o surgimento do ciberespaço representava um desafio para o Estado e as instituições. Mais recentemente, pude me aprofundar em diferentes temas relativos à governança da era digital, em dois períodos como visiting scholar no Vale do Silício, o primeiro deles na Universidade da Califórnia em Berkeley, e o segundo, de um ano, na Universidade Stanford.

Se a tecnologia vem revolucionando inúmeros setores, o Direito não seria exceção.

Essa revolução afeta os advogados de duas formas. Primeiro, porque a adoção de tecnologias avançadas como a IA deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade, caso se queira manter a relevância em uma profissão cada dia mais dinâmica e competitiva. Segundo, porque o campo do direito digital promete boas perspectivas para os advogados que nele se aventurarem.

Quanto aos aspectos práticos, ferramentas tecnológicas podem transformar o dia a dia do advogado, aumentando a eficiência de seu trabalho. Uma das aplicações mais notáveis ocorre na pesquisa jurídica, antes um processo que podia envolver incontáveis horas em bibliotecas e que foi simplificada por meio de bancos de dados e ferramentas de busca online. Softwares baseados em IA podem vasculhar milhares de artigos acadêmicos e julgados para encontrar as informações desejadas em poucos segundos, liberando o tempo do advogado para que ele foque no que realmente importa, que é sua análise jurídica.

A IA pode, ainda, contribuir para a automatização da elaboração de determinados documentos, como contratos, além de ter um papel crescente na previsão de resultados de processos judiciais já que, por meio da análise de dados de casos anteriores, algoritmos complexos podem ajudar advogados a avaliar as chances de sucesso para cada estratégia, orientando a tomada de decisões de seus clientes a fim de otimizar seus recursos.

Por último, ferramentas de videoconferência e plataformas de trabalho colaborativo na nuvem permitem que os advogados interajam com clientes e com colegas em qualquer lugar do mundo, quebrando barreiras geográficas e ampliando sua atuação.

Sem aderir às inovações tecnológicas, os advogados correm o risco de ficar para trás. Ignorar ferramentas que automatizam e otimizam tarefas repetitivas faz o advogado perder tempo com atividades que poderiam ser simplificadas ou aceleradas, resultando em menor produtividade e maior custo operacional, o que afetaria sua competitividade em um mercado onde clientes esperam serviços rápidos, precisos e econômicos.

Deve-se, também, considerar que o direito digital é uma das áreas mais promissoras do cenário jurídico atual.

A progressiva digitalização de diversos aspectos de nossa vida social e econômica nos leva a passar grande parte do nosso tempo online, permitindo a coleta de dados pessoais em massa, especialmente por plataformas de mídias sociais que se valem da capacidade de perfilar seus usuários para vender publicidade direcionada. Nesse contexto, torna-se crítico o papel de advogados especializados em legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira, os quais podem assessorar as empresas na implementação de políticas de privacidade e de práticas adequadas de tratamento de dados, bem como atuar em casos de violações.

A área da propriedade intelectual é uma óbvia favorecida, não somente pela enxurrada de soluções tecnológicas que demandam registro das respectivas patentes, mas por vivermos em uma era em que os ativos imateriais são extremamente relevantes para as empresas e em que estas estão cada vez mais vulneráveis à pirataria digital.

Dos diversos tipos de cibercrimes – como os ataques de ransomware –, do cyberbulling e da difamação nas redes sociais digitais, que são objeto do direito penal, passando pelo comércio eletrônico que, à medida que cada dia mais compras são realizadas online, desperta atenção quanto aos direitos dos consumidores, até questões relacionadas à responsabilidade civil por danos causados por veículos autônomos ou drones, todos os ramos do Direito sofrerão atualizações decorrentes da introdução da tecnologia.

O uso da IA traz preocupações éticas que devem ser endereçadas por advogados. A Internet das Coisas (IoT) provoca questões sobre privacidade e segurança de dados. As propostas para o desenvolvimento de uma internet mais descentralizada e baseada em tecnologias de blockchain, conhecida como Web 3.0., e de soluções como as criptomoedas, as Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs, na sigla em inglês) e os contratos inteligentes abrem um novo universo de possibilidades para os advogados com olhos no futuro. E, se um dia o Metaverso realmente chegar, todo o Direito será Direito Digital.

 

Startups – globalização, sustentabilidade e tecnologia postos em prática

Provavelmente não conseguiremos alcançar um mundo realmente sustentável sem um empurrãozinho da inovação, uma vez que o desafio de promover transformações radicais em nossa infraestrutura e hábitos de consumo a tempo de, por exemplo, frear as mudanças climáticas, parece grande demais. Por isso, uma vez mais, duas tendências aqui mencionadas se combinam. A sustentabilidade depende da tecnologia.

As startups talvez sejam o melhor elo entre essas duas tendências, e mesmo entre elas e a globalização. Para cumprirem seu objetivo de sanar algumas dores que são, em sua maioria, globais, as startups devem adotam modelos de negócios escaláveis, e tendem a se internacionalizar. E como a escalabilidade muitas vezes depende da aplicação de inovações tecnológicas, boa parte dessas empresas se enquadra como deeptechs.

Isso me levou, há alguns anos, a começar a trabalhar com essas empresas, principalmente aquelas que procuram resolver algum problema social ou ambiental significativo – os chamados negócios de impacto – e a me envolver, mais recentemente, nas discussões sobre a criação do Marco Legal das Startups brasileiro.

Atender uma startup é, para o advogado, uma experiência completa.

Passa, inicialmente, pela curiosidade de entender como funciona o ecossistema empreendedor, conhecendo seus atores – como aceleradoras e incubadoras – e os mecanismos de fomento criados para que essas empresas floresçam. Continua em sua estruturação jurídica inicial, lidando com questões de propriedade intelectual e acordos de confidencialidade, bem como com aspectos societários da relação entre os fundadores, e entre estes e seus colaboradores – por exemplo, ajudando a definir planos de opções de compras de ações (stock options).

Depende, ainda, de saber como seu modelo de negócios é afetado pela regulação existente – ou pela ausência dela, já que muitas startups desenvolvem projetos disruptivos, sem equivalentes no mercado. Algumas atuarão em setores altamente regulados, como saúde e educação, que às vezes criarão ambientes controlados para testar as soluções inovadoras das startups, os chamados sandboxes regulatórios, que o advogado do futuro precisará conhecer. E tem uma importante etapa no aconselhamento para captação de recursos junto a investidores anjos, fundos de venture capital e plataformas de crowdfunding, entre outros, sem a qual a desejada escalabilidade dos negócios dificilmente irá ocorrer.

Muitas startups estão na vanguarda do progresso tecnológico e provocam novas questões jurídicas, transformando o mercado do qual participam. Vide o impacto das fintechs, categoria de startups que mais produziu unicórnios no Brasil, sobre o tradicional mercado financeiro.

Assim, trabalhar com startups representa uma ocasião ideal para operadores do Direito interessados em orientar, do nascimento à internacionalização, negócios que podem crescer de forma exponencial e mudar o mundo como o conhecemos.

 

E o que mais?

O sucesso do advogado ou da advogada do futuro não depende apenas de seu conhecimento técnico especializado. Decorre, também, de uma série de habilidades e competências não jurídicas.

Certas delas serão inatas. Outras, precisarão ser desenvolvidas. Algumas, como a capacidade de liderança e de planejamento estratégico, se aplicam a todas as profissões. Outras são especialmente relevantes para quem opta pelo Direito.

A adaptabilidade é uma delas. Como as startups, o advogado precisa saber “pivotar” e corrigir seu rumo ao notar que sua área de atuação e as demandas de seus clientes estão se modificando. Em uma ocupação em que as dinâmicas interpessoais – com clientes e colegas – são especialmente intensas, a inteligência emocional é necessária. O mesmo se aplica à capacidade de negociação, que pode garantir resultados positivos a seus clientes, e de networking, uma vez que expandir sua rede de contatos é vital para o progresso na carreira e para a geração de negócios.

Neste final da nossa conversa, no entanto, irei focar em duas habilidades que me parecem ainda mais essenciais do que as anteriores.

A primeira delas é a comunicação.

A capacidade de traduzir conceitos jurídicos complexos para uma linguagem clara e acessível, seja por escrito, seja oralmente – não se engane, saber falar em público acaba sendo quase uma obrigação –, é fundamental para uma boa advocacia.

Isso envolve deixar de lado o uso do “juridiquês”, jargão carregado de expressões arcaicas e formalidades que intimida e afasta aqueles que não possuem formação legal. Isso inclui o uso das mídias sociais, hoje uma ferramenta também para quem busca projeção profissional. Nelas, comunicar-se bem pode significar a diferença entre ser ouvido e falar sozinho.

Ao desmistificar o Direito, empregando termos que sejam facilmente compreendidos sem perder a precisão técnica – muitas vezes, inclusive, utilizando recursos gráficos de visual law –, o advogado não só garante que o cliente entende o que lhe está sendo transmitido, mas também cria uma relação de maior proximidade – imagine como seu cliente, jovem empreendedor em uma startup, reagiria ao uso de expressões rebuscadas em português ou, pior, em latim durante uma reunião. Data venia...

Além do português correto e sem firulas, dominar outros idiomas sempre será um diferencial. Primeiro, porque abre todo um universo de aprendizado ao permitir acessar textos e cursos em línguas estrangeiras – um prato cheio para o advogado curioso. Segundo, porque em um mundo interconectado, o domínio de idiomas abre portas, ampliando o escopo de atuação do advogado e sua empregabilidade. Permite, também, mergulhar em culturas distintas, entendendo suas nuances, o que ajuda em negociações e promove empatia com clientes e advogados de outras nacionalidades.

Isso se aplica particularmente ao inglês, hoje imprescindível. Sem ele, fica longe do alcance o repositório sem igual de conhecimento acadêmico e profissional produzido nesse idioma – diferença que se acentua nos diversos campos avançados do Direito aqui citados. E, sendo o inglês a língua da globalização, não o dominar prejudica o exercício de uma série de atividades que envolvam contato com o exterior.

A segunda habilidade a ser destacada é o conhecimento multi ou interdisciplinar. Se a curiosidade sempre será o maior superpoder do advogado, um de seus derivados, a capacidade de acumular e integrar noções de outras disciplinas, é indispensável para o advogado do futuro.

Nos atendo às três principais tendências aqui analisadas, advogados que possuam conhecimentos em economia e relações internacionais estarão mais aptos a estabelecer uma estratégia de internacionalização para seus clientes. Aqueles que queiram atuar na área da sustentabilidade serão mais efetivos se dominarem a base científica das mudanças climáticas, dos danos causados pela poluição e dos riscos da perda de biodiversidade. Aqueles que queiram aconselhar sobre temas de ponta da era digital, como biotecnologia e IA, se beneficiam da compreensão de como essas tecnologias funcionam, suas limitações e implicações éticas.

Essa habilidade se estende ao conhecimento dos negócios de seus clientes. Não basta dominar as leis aplicáveis ao setor em que estes atuam. É preciso entender a cultura, as dinâmicas de mercado e as pressões concorrenciais do ambiente em que eles operam. Ir além da simples resolução de questões legais, proativamente propondo soluções que promovam os objetivos do cliente de forma mais ampla, contribui para estabelecer um relacionamento de longo prazo, tornando o advogado um parceiro estratégico essencial.

 

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Globalização, sustentabilidade e tecnologia seguirão moldando o século XXI. Em resposta a essas tendências, o processo de construção de mecanismos de governança global que envolvem regras nacionais, transnacionais e internacionais irá continuar.

Acompanhar essa evolução depende de se engajar em um processo de aprendizado contínuo, que começa pela escolha de um curso de Direito que não ignore essas tendências e contribua para a formação de pessoas capazes de pensar globalmente, ter a sustentabilidade em mente e navegar com maestria pela era digital.

Mas não termina aí. Para ser bem-sucedido em sua profissão, o advogado do futuro precisará manter a sua curiosidade acesa e seguir desenvolvendo novas habilidades. Sem parar. Por toda a vida.



 

Eduardo Felipe Matias: 

Com 30 anos de experiência na área do direito empresarial, Eduardo Felipe Matias é duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti pelos livros “A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à sociedade global” e “A Humanidade contra as Cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade”, é coautor do estudo “Sharing Good Practices on Innovation” e coordenou o livro “Marco Legal das Startups: Lei Complementar 182/2021 e o fomento ao empreendedorismo inovador no Brasil”. Colunista da revista Época Negócios e do Broadcast do Estadão/Agência Estado, já publicou mais de uma centena de artigos nos principais meios de comunicação do País. Doutor em Direito Internacional pela USP, onde também se graduou. Pós-doutorado pela IESE Business School, na Espanha, mestre em Direito Internacional pela Universidade de Paris II Panthéon-Assas e visiting scholar na Columbia University em Nova York e nas Universidades de Berkeley e Stanford, na California, é Professor Convidado da Fundação Dom Cabral e Conferencista no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP). Líder do Comitê de Startups da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e sócio do escritório Elias, Matias Advogados.

LinkedIn - Eduardo Matias.



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