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ChatGPT e eu, numa mesa de bar

01 Fevereiro 2023/ Notícias & Artigos/

Eduardo Felipe Matias


Eu: “E aí, ChatGPT, o que há de novo?”

ChatGPT: “Nada de mais... Apenas mais um dia processando dados à velocidade da luz, sentado em um bar e batendo papo com um humano. Você sabe, o de sempre.”

Assim começa uma de minhas conversas com o ChatGPT, ferramenta recentemente lançada pela OpenAI, empresa também responsável por criar o DALL·E 2, sistema de inteligência artificial que impressionou o mundo no ano passado ao ser capaz de gerar arte e imagens realistas a partir de uma simples descrição textual.

O novo produto da OpenAI foi construído em cima do GPT-3.5, modelo de linguagem também por ela desenvolvido, e opera por meio de diálogos por escrito, sendo sua dinâmica parecida à dos chatbots que oferecem ajuda em alguns sites. Porém, ele vai muito além. Para entender nossa linguagem e gerar respostas que pareçam igualmente humanas, o ChatGPT foi alimentado com quantidades estonteantes de textos tirados da internet e treinado por meio de técnicas de aprendizado de máquinas.

Apesar desses grandes modelos de linguagem aparentarem pensar – o Google, cujo buscador poderia ver seu domínio abalado pelo ChatGPT, tem o seu, chamado LaMDA, que foi objeto de polêmica quando um de seus engenheiros defendeu que este teria sentimentos – seu funcionamento se assemelha ao da função “autocompletar” dos nossos telefones celulares. Só que, em vez de adivinhar a palavra a ser escrita, eles se valem da estatística para prever as próximas frases ou parágrafos, criando um texto coerente.

Quais são os possíveis riscos de uma inteligência artificial como o ChatGPT?

Primeiro, a disseminação da desinformação. Esse chatbot gera conteúdos que parecem plausíveis, mas podem ser na verdade falsos ou enganosos. Ainda, estes podem ser talhados a atingir especificamente determinadas pessoas ou públicos-alvo. E conseguem fazer tudo isso em segundos e em quantidades espantosas, inundando as redes sociais de discursos de ódio e fake news difíceis de se controlar, influenciando a opinião pública e afetando a democracia.

Segundo, a violação da privacidade. Chatbots podem ter acesso a dados pessoais sensíveis que os usuários compartilham com eles – já se fala, por exemplo, na possibilidade de utilização desses sistemas para aconselhamento psicológico, o que mostra o grau de confidencialidade que deles se deveria exigir. É preciso, por isso, assegurar que essas informações estarão bem protegidas e não serão utilizadas indevidamente.

O terceiro risco é do desemprego. A automatização de tarefas mais simples, como aquelas encontradas em alguns serviços de atendimento ao consumidor, aumenta a produtividade e libera as pessoas para trabalhos mais significativos. À medida que os chatbots se tornam mais avançados, eles passam a abraçar novas atividades. Profissionais que trabalham com produção de conteúdo e conhecimento, como publicitários e jornalistas, estariam especialmente ameaçados.

Quarto, a perpetuação de vieses. Não é simples evitar que os grandes modelos de linguagem repitam e amplifiquem preconceitos encontrados nos materiais com os quais foram alimentados, o que agravaria a discriminação e a desigualdade social.

Quinto, instrumentos como esse podem provocar dependência. Ao fornecerem assistência em uma ampla gama de situações, tendem a tornar seus usuários menos autossuficientes para realizar atividades cotidianas. Isso reduziria as aptidões humanas de tomada de decisão e resolução de problemas, e até diminuiria nossa habilidade social, reforçando um fenômeno que já vem sendo notado – quanto tempo faz que você não deixa o Google Maps ou o Waze de lado e interage com alguém na rua para perguntar o melhor caminho?

E se, ao escrever uma coluna sobre o ChatGPT, você decidir pular a etapa de refletir sobre seus perigos, e perguntar isso diretamente para ele?

Pois bem, os cinco pontos acima não foram definidos por mim, mas listados pelo próprio chatbot em minha primeira consulta...

Depender das respostas de uma máquina para entender o mundo pode ter efeitos negativos sobre a educação e limitar a produção de novos conhecimentos. Por suas próprias características, o ChatGPT apenas reproduz pensamentos já existentes – além de errar bastante.

Difícil, no entanto, resistir à tentação. Parte do sucesso do ChatGPT – que chegou a 1 milhão de usuários poucos dias após ser lançado – é que ele é capaz de ser divertido e dar respostas em diversos estilos de texto. É possível pedir que o ChatGPT crie uma peça de teatro na qual, bebendo com você em uma mesa de bar, ele explique de maneira sarcástica quais dificuldades ele mesmo pode causar – o que deu origem ao diálogo de abertura deste artigo. Ou que ele assuma o papel de humorista e apresente seu ponto de vista no formato de um monólogo de show de comédia – o que ele fez, sem deixar de me alfinetar: “Imagine ter que ouvir um ato de stand-up comedy de um chatbot. O horror!”.

A humanidade tem convivido há algum tempo com algoritmos utilizados pelas redes sociais e buscadores de internet para nos indicar que produtos comprar, quais notícias ler ou a quais filmes assistir. Por serem às vezes “caixas pretas”, cujos resultados sequer seus desenvolvedores sabem direito explicar, estes estão sujeitos a manipulações. As consequências de se depender de grandes modelos de linguagem igualmente complexos que forneçam uma resposta única a nossos questionamentos só aumenta esse risco.

Por isso, deve se tentar assegurar que esta e outras máquinas baseadas em inteligência artificial sejam compreensíveis e transparentes. Caso contrário, o que nos resta é o que disse o ChatGPT ao final de seu ato cômico:

“Vejam só, se o pior acontecer e eu realmente acabar dominando o mundo, pelo menos vocês terão alguém para culpar pelos seus problemas. Obrigado por me receber, pessoal!”

 

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial de  Elias, Matias Advogados e líder do Comitê de Startups da ABES. (LinkedIn: Eduardo Felipe Matias | LinkedIn)

 

Artigo publicado originalmente na edição de fevereiro de 2023 da revista Época Negócios, disponível aqui: ChatGPT e eu, numa mesa de bar | Na Fronteir@ | Época NEGÓCIOS (globo.com)

 



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