Por: Eduardo Felipe Matias
O
empreendedorismo pode contribuir para o crescimento econômico, em um momento em
que o País é castigado pelo desemprego. Startups tendem a originar inovações
tecnológicas, que poderiam ajudar a vencer importantes desafios atuais de nossa
sociedade. Apesar disso, predomina a percepção de que o Estado brasileiro não
vem cumprindo sua função em estimular negócios de caráter inovador.
Levantamento
recente (“Panorama Legal das Startups”, disponível em www.startups.nelmadvogados.com)
mapeou as principais dificuldades enfrentadas pelas startups no Brasil, por
meio de questões práticas voltadas a empreendedores e investidores, algumas
delas focadas no que estes esperam do poder público.
Ao serem
convidados a escolher três alternativas de uma lista de ações por meio das
quais o Estado colaboraria para promover o empreendedorismo inovador, a opção
mais citada, escolhida por 70% dos empreendedores e 77% dos investidores, foi a
adoção de novas leis de incentivo fiscal voltadas ao setor, o que mostra que as
legislações existentes – como a chamada Lei do Bem – são consideradas
insuficientes.
Na mesma
questão, a segunda opção mais escolhida pelos investidores, com 62% das respostas,
foi a necessidade de desenvolver novas modalidades de investimento em startups.
Isso também foi ressaltado em outras partes do mapeamento. Quando perguntados
sobre os motivos que os fizeram pensar duas vezes antes de apostar em uma
startup, 77% dos investidores mencionaram os riscos gerais do negócio, que poderiam
atingi-los. A segunda alternativa mais assinalada, com 46% de respostas, foi o
desconhecimento das modalidades mais adequadas para a realização do
investimento em cada circunstância.
Lidas em conjunto, essas
respostas indicam que o ecossistema das startups se beneficiaria tanto da
difusão de informações sobre formas de investimento que garantam maior proteção
a potenciais investidores quanto do desenvolvimento de novas formas que atendam
esse pressuposto – e, nesse sentido, o levantamento indica que algumas
modalidades há pouco reguladas, como o equity
crowdfunding, parecem fazer mais sucesso do que outras, como o chamado
Contrato de Participação para investimentos-anjo, ainda pouco utilizado.
Essas iniciativas possibilitariam
aumentar a base e o apetite de investidores, ampliando o capital disponível
para as startups e impulsionando uma onda de empreendedorismo no País. Esta ajudaria
a reduzir o desemprego, seja pela geração direta de oportunidades, seja, indiretamente,
pelo fato de o empreendedorismo ser um grande motor de inovação – é bem mais
provável que ideias inovadoras tenham origem em empresas nascentes do que em
empresas estabelecidas que já dominem determinado setor. Ora, a inovação, por
sua vez, normalmente leva à introdução de produtos e serviços inéditos e à formação
de novos mercados, muitos deles fundados em conceitos também inovadores, como o
da economia compartilhada. Por isso, se por um lado a inovação tecnológica ceifa
postos de trabalho quando a automação provoca a substituição de pessoas por máquinas
– mais um acontecimento que demanda a atuação do Estado, ao qual cabe reforçar
a rede de proteção necessária para amparar a massa de desempregados que
decorrerá do inevitável avanço dessa tendência –, por outro lado,
paradoxalmente, ela acaba criando novas ocupações.
Outra
conclusão relevante do levantamento decorre da terceira alternativa mais citada
tanto por empreendedores quanto por investidores na questão sobre o papel do
Estado. Quase 40% de ambos grupos responderam que o desenvolvimento de marcos
regulatórios para atividades sobre as quais a legislação é omissa fomentaria o
empreendedorismo. Esse entendimento é reforçado pelos 30% de investidores que
afirmam que a inexistência de regras específicas para o segmento de atuação de
determinada startup é um fator que os inibe a investir.
Contornar
esse tipo de insegurança jurídica, no entanto, não é tão simples. Não só porque
o pedido por regulação adequada nem sempre é conciliável com o desejo de que
esta não venha a dificultar ainda mais os negócios, mas também pela própria
natureza do Estado. Várias startups se baseiam em modelos de negócios
disruptivos e nem sempre é possível enquadrá-las a legislações vigentes. É
difícil esperar que o poder público consiga acompanhar o ritmo das mudanças trazidas
por essas empresas, principalmente quando se sabe que o tempo político – aquele
do processo democrático e da produção das leis – é bem distinto do tempo econômico,
que dizer então do tempo tecnológico nesta nossa era de crescimentos exponenciais.
Dois últimos
pontos relacionados às atribuições do Estado merecem atenção. O primeiro, lembrado
por 20% dos empreendedores e dos investidores, é a adoção de regimes mais
favoráveis a produtos e serviços inovadores nas contratações e compras
governamentais. Esse tipo de política é determinante, ao garantir escala e a
consequente redução de custos de produção para startups que, sem isso, teriam
dificuldades de competir no mercado e veriam suas ideias perecer. Muitas dessas
empresas são negócios de impacto baseados em tecnologias inovadoras voltadas a
atacar grandes problemas socioambientais da atualidade, como aqueles
relacionados a mobilidade, crédito, saúde, moradia, poluição e clima. Daí a
importância de o Estado entrar em campo para assegurar que essas soluções
encontrarão condições iniciais que permitam sua viabilização.
Por fim,
merece destaque a necessidade de educar para o empreendedorismo, alternativa
escolhida por 34% dos empreendedores e 23% dos investidores quando perguntados
como o poder público poderia contribuir para o ecossistema da inovação. O
sucesso de algumas medidas aqui descritas depende da formação de uma ampla base
de cidadãos dotados de iniciativa e capazes de pensar criativamente e inovar.
Sem isso, a desejada criação de incentivos para o empreendedorismo, por
exemplo, pode acabar se mostrando infrutífera. E, se a inovação tem o efeito
positivo de gerar novos tipos de trabalho, estes demandarão competências e
aptidões diferentes daquelas hoje possuídas pela maioria das pessoas. Surfar
essa onda depende, portanto, de investir pesado em capital humano, treinando e
educando a população para a nova revolução industrial em andamento, mais uma
das missões fundamentais do Estado.
Eduardo
Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti
com os livros “A humanidade e suas fronteiras” e “A humanidade contra as
cordas”, coordenador do levantamento “Panorama Legal das Startups”.
Artigo publicado originalmente em 27/09/18 no jornal Valor Econômico, p. A14. Visualizar: link
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