Pontos importantes não foram abordados pelo projeto de lei,
critica associações de startups
Por Felipe Laurence - O Estado de S. Paulo
Senado Federal aprovou na
quarta-feira 24, por unanimidade, o Marco Legal das Startups, que estabelece um
ambiente regulatório facilitado para que empresas inovadoras consigam
desenvolver suas operações no Brasil. O texto, modificado em relação ao
aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro, traz vários avanços, mas a
sensação dos atores do ecossistema é de frustração porque não foram abordados
pontos importantes que ajudariam a potencializar as normas que vão virar lei.
"A minha avaliação é que
avançamos muito pouco perto da oportunidade e da necessidade", fala Felipe
Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Ele
destaca a criação de um regime especial para compras governamentais, que
simplifica o processo para a participação de startups, a proteção aos direitos
dos investidores e a possibilidade de empresas usarem verba obrigatória
destinada a pesquisa e desenvolvimento (P&D) em aportes como os principais
destaques do marco.
"No entanto, é uma pena que
os pontos que realmente tirariam o País de uma posição atrasada na comparação
com o mundo acabaram não sendo incorporados", complementa. Dois pontos são
os que mais causaram consternação: a falta da equiparação de investimentos em
startups a outros como fundos imobiliários e LCIs/LCAs, que possuem isenção,
mantendo a carga tributária de renda fixa, e o impedimento que startups possam
se organizar como sociedades anônimas (S/As) e se manter no regime do Simples
Nacional.
O senador Carlos Portinho
(PL-RJ), relator do projeto, defende que ambas as situações, por tratarem de
questões tributárias, têm de ser modificadas a partir de iniciativa do Poder
Executivo e não em um projeto de lei. "Sou simpático ao enquadramento de
S/As no Simples Nacional, é uma demanda louvável, mas assim como a questão da
equiparação, são iniciativa do governo, eles têm os mecanismos para definir
essas situações, não poderia dar uma canetada aqui", fala.
Ele pondera que dos quatro
pleitos que o ecossistema de startups defendeu, dois foram atendidos: a
supressão do texto aprovado na Câmara que definia a natureza das stock
options (opções de compra de ações dada a funcionários) como remuneratória e a
possibilidade de que startups sob a forma de S/As possam realizar suas
publicações legais pela internet e substituir livros por registros eletrônicos.
"Sou bastante favorável a
dar um encaminhamento para as stock options e já pedi estudos para elaborar
projeto que resolva essa situação", comenta o relator. O pedido das
startups é que o mecanismo fosse tratado como transação mercantil, mera troca
de ações. Do jeito como foi aprovado pela Câmara, incidiriam encargos
trabalhistas sobre as opções, o que inviabilizaria sua implementação, na visão
do setor. "Decidi por suprimir o capítulo como um todo para evitar
insegurança jurídica", explica Portinho.
Na avaliação do advogado Eduardo
Matias, sócio da área empresarial do NELM Advogados, o andamento célere que o
marco teve no Senado acabou prejudicando a evolução nos pontos que acabaram
sendo deixados de fora. "O problema dessa pressa é que as questões
tributárias e trabalhistas não tiveram tempo de ser trabalhadas no Senado, não
houve nenhuma comissão formada sobre o assunto, somente uma audiência pública,
então os pontos que melhorariam o ecossistema não foram enfrentados",
lamenta.
Um participante desse mercado
diz, em anonimato, que ficou a impressão que a aprovação a toque de caixa foi
feita por motivos eleitorais. "O governo havia destacado o marco como uma
das prioridades para o ano, então, como se trata de uma agenda positiva e o
viés liberal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está em xeque, esse
despacho rápido me pareceu mais uma forma de eles falarem estão vendo, ainda
somos pró-mercado", dispara.
Rodrigo Afonso, diretor
presidente da Associação Dínamo, entidade que agrega várias organizações no
ecossistema de startups, lamenta a falta de oportunidade de conversar com os
senadores e tentar evoluir nas questões que acabaram sendo deixadas de fora.
"O projeto já saiu com alguns pontos questionáveis da Câmara e não tivemos
a chance de mostrar aos senadores a importância da questão tributária, da
trabalhista, tentamos emitir o máximo possível de notas técnicas, mas um
assunto complexo como esse não poderia ter sido aprovado tão rápido."
Na sessão que aprovou o marco, senadores
como Simone Tebet (MDB-MS) e Álvaro Dias (Podemos-PR) também lamentaram que o
projeto não foi discutido em alguma comissão antes de ir a votação no plenário.
O relator Portinho não vê dessa forma. "O marco foi amplamente debatido na
Câmara, aqui eu ampliei a discussão desde que assumi a relatoria em dezembro,
as 51 emendas que foram apresentadas e os debates que aconteceram na sessão
mostram que meus colegas senadores tiveram tempo de ler e analisar o mérito do
projeto", comenta.
O Marco Legal das Startups agora
volta para a Câmara dos Deputados, onde os congressistas apenas referendam ou
vetam as modificações feitas pelo Senado, impedindo que o mérito volte a ser
discutido. A expectativa é que as mudanças sejam aprovadas. Para as
organizações, continua a luta para que as questões pendentes sejam atendidas.
"Nós perdemos a força de discutir esses assuntos em um marco, mas a união
das entidades que surgiu nessa batalha me dá confiança que agora teremos mais
celeridade na discussão de temas relacionados à inovação no Congresso",
espera Rodrigo Afonso, da Associação Dínamo.
A matéria foi originalmente publicada no Estadão. Clique
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