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AI Action Summit pode representar guinada na regulação da inteligência artificial

28 Fevereiro 2025/ Notícias & Artigos/

Mudanças no tom dos debates e na postura de grandes potências sinalizam um novo equilíbrio entre inovação e governança da IA

 

Eduardo Felipe Matias

 

De 10 a 11 de fevereiro, Paris sediou o AI Action Summit, reunindo representantes de mais de 100 países, incluindo chefes de Estado e de governo, organizações internacionais, setor privado, sociedade civil e academia. O evento indicou mudanças significativas na forma como a inteligência artificial (IA) é encarada, especialmente no que se refere à sua regulação – tema que influi nas perspectivas futuras do ambiente de negócios nessa área e merece ser acompanhado de perto por qualquer empresa que planeje desenvolver essa tecnologia, incorporá-la a suas atividades ou nela investir.

Um ponto de destaque foi que, enfim, a sustentabilidade da IA foi trazida para o centro das discussões. Pela primeira vez, uma Cúpula desse tipo – a de Paris sucede outros dois encontros mundiais sobre IA, realizados no Reino Unido em 2023 e na Coreia do Sul em 2024 – tratou da relação complicada entre desenvolvimento da IA e consumo de excessivo de energia. Durante o evento, onze países, cinco organizações internacionais e 37 empresas tecnológicas aderiram à Coalizão pela IA Sustentável, comprometendo-se a reduzir o impacto ambiental da tecnologia. Ainda, a Agência Internacional de Energia lançou o Observatório Global de Energia e IA, dedicado a monitorar e otimizar a eficácia energética dos modelos de IA. Além disso, realizou-se um hackathon com o desafio de promover uma “IA frugal”, no qual mais de 60 equipes de cientistas de dados procuraram soluções de IA para problemas ambientais mais econômicas do ponto de vista energético.

Porém a mudança mais relevante foi de foco, saindo da IA como ameaça existencial para uma ênfase em seus possíveis benefícios. A conferência destacou o lado positivo da tecnologia ao dar espaço para a apresentação de 50 projetos que utilizam a IA a serviço do bem comum, selecionados entre mais de 700 candidatos de uma centena de países para demonstrar sua contribuição potencial em áreas como direitos humanos, meio ambiente e cultura.

Passar a ver a IA menos como risco e mais como oportunidade pôs a regulação dessa tecnologia na berlinda, o que se percebeu em diversas ocasiões no encontro.

Um desses momentos evidenciou que a posição dos EUA em relação ao assunto será muito diferente com Trump, dada a influência das big techs sobre seu governo. O protagonismo destas empresas na definição do rumo global que a governança da IA irá tomar ficou, inclusive, claro na reunião de Paris, onde várias delas, como OpenAI, Anthropic e Google DeepMind, marcaram presença.

Reforçando essa impressão, o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, que liderou a delegação americana, reiterou a posição de seu governo contra regulamentações excessivas, argumentando que estas poderiam destruir uma indústria transformadora em ascensão. A fala de Vance está alinhada com o memorando emitido anteriormente por Trump, no qual estabelece que sua administração examinará minuciosamente a Lei dos Mercados Digitais (DMA) e a Lei dos Serviços Digitais (DSA) da União Europeia (UE) – vale acrescentar que, em 23 de fevereiro, a tensão regulatória entre EUA e UE ganhou um novo capítulo com o pedido de esclarecimentos feito por Jim Jordan, presidente do Comitê Judiciário da Câmara dos EUA, à chefe antitruste da UE, alegando que as regras europeias mirariam desproporcionalmente as empresas americanas de tecnologia, impondo multas severas e favorecendo concorrentes do bloco.

Ainda mais marcante foi a nova postura da UE. Se esta até agora vinha liderando os esforços pela regulamentação da IA – a implementação de seu AI Act segue em andamento –, a conferência de Paris pode representar um ponto de inflexão. Nela, ficou claro que algumas autoridades europeias estão preocupadas com o impacto de determinadas regras na competitividade do bloco e dispostas a investir pesado para disputar uma corrida na qual estão ficando para trás. O presidente francês Emmanuel Macron, que já havia afirmado ser preciso “focar em eliminar algumas regulamentações malucas, na simplificação do ambiente atual”, anunciou durante o evento – do qual foi coorganizador ao lado do primeiro-ministro indiano Narendra Modi – 109 bilhões de euros em investimentos privados no ecossistema francês de IA.

Também mudou o tom do discurso de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia – que arquivará sua Diretriz de Responsabilidade da IA, proposta em 2022, a qual buscava uniformizar regras sobre a responsabilidade civil por danos causados por sistemas de IA e era contestada pelo setor. Em Paris, ela anunciou a mobilização de 200 bilhões de euros por meio do programa InvestAI, para impulsionar essa tecnologia na Europa.

EUA e Reino Unido não assinaram a declaração final da conferência, ao contrário de mais de 60 países, incluindo o Brasil e a China – um dos principais atores em IA – e a própria UE. De todo modo, o documento em si diz menos sobre o futuro da regulação da IA do que os discursos e anúncios durante e após o encontro, que indicam a busca de um reequilíbrio entre o progresso tecnológico e sua governança responsável.

Apesar disso, regulação e inovação não são opostos. Confiança e segurança, temas centrais nas Cúpulas anteriores, são fundamentais para os negócios. O desafio é criar regulamentações que assegurem esses princípios sem comprometer o potencial transformador da IA.

 

Eduardo Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na California, e é professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área empresarial de Elias, Matias Advogados

 

Artigo originalmente publicado pelo Estadão/Broadcast em 28 de fevereiro de 2025.



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