Mudanças no tom dos debates e
na postura de grandes potências sinalizam um novo equilíbrio entre inovação e
governança da IA
Eduardo Felipe Matias
De 10 a
11 de fevereiro, Paris sediou o AI Action Summit, reunindo representantes de
mais de 100 países, incluindo chefes de Estado e de governo, organizações
internacionais, setor privado, sociedade civil e academia. O evento indicou
mudanças significativas na forma como a inteligência artificial (IA) é
encarada, especialmente no que se refere à sua regulação – tema que influi nas
perspectivas futuras do ambiente de negócios nessa área e merece ser
acompanhado de perto por qualquer empresa que planeje desenvolver essa
tecnologia, incorporá-la a suas atividades ou nela investir.
Um
ponto de destaque foi que, enfim, a sustentabilidade da IA foi trazida para o
centro das discussões. Pela primeira vez, uma Cúpula desse tipo – a de Paris
sucede outros dois encontros mundiais sobre IA, realizados no Reino Unido em
2023 e na Coreia do Sul em 2024 – tratou da relação complicada entre
desenvolvimento da IA e consumo de excessivo de energia. Durante o evento, onze
países, cinco organizações internacionais e 37 empresas tecnológicas aderiram à
Coalizão pela IA Sustentável, comprometendo-se a reduzir o impacto ambiental da
tecnologia. Ainda, a Agência Internacional de Energia lançou o Observatório
Global de Energia e IA, dedicado a monitorar e otimizar a eficácia energética
dos modelos de IA. Além disso, realizou-se um hackathon com o desafio de
promover uma “IA frugal”, no qual mais de 60 equipes de cientistas de dados
procuraram soluções de IA para problemas ambientais mais econômicas do ponto de
vista energético.
Porém
a mudança mais relevante foi de foco, saindo da IA como ameaça existencial para
uma ênfase em seus possíveis benefícios. A conferência destacou o lado positivo
da tecnologia ao dar espaço para a apresentação de 50 projetos que utilizam a
IA a serviço do bem comum, selecionados entre mais de 700 candidatos de uma
centena de países para demonstrar sua contribuição potencial em áreas como
direitos humanos, meio ambiente e cultura.
Passar
a ver a IA menos como risco e mais como oportunidade pôs a regulação dessa
tecnologia na berlinda, o que se percebeu em diversas ocasiões no encontro.
Um
desses momentos evidenciou que a posição dos EUA em relação ao assunto será
muito diferente com Trump, dada a influência das big techs sobre seu governo. O
protagonismo destas empresas na definição do rumo global que a governança da IA
irá tomar ficou, inclusive, claro na reunião de Paris, onde várias delas, como
OpenAI, Anthropic e Google DeepMind, marcaram presença.
Reforçando
essa impressão, o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, que liderou a
delegação americana, reiterou a posição de seu governo contra regulamentações
excessivas, argumentando que estas poderiam destruir uma indústria
transformadora em ascensão. A fala de Vance está alinhada com o memorando
emitido anteriormente por Trump, no qual estabelece que sua administração
examinará minuciosamente a Lei dos Mercados Digitais (DMA) e a Lei dos Serviços
Digitais (DSA) da União Europeia (UE) – vale acrescentar que, em 23 de
fevereiro, a tensão regulatória entre EUA e UE ganhou um novo capítulo com o
pedido de esclarecimentos feito por Jim Jordan, presidente do Comitê Judiciário
da Câmara dos EUA, à chefe antitruste da UE, alegando que as regras europeias
mirariam desproporcionalmente as empresas americanas de tecnologia, impondo
multas severas e favorecendo concorrentes do bloco.
Ainda
mais marcante foi a nova postura da UE. Se esta até agora vinha liderando os
esforços pela regulamentação da IA – a implementação de seu AI Act segue em
andamento –, a conferência de Paris pode representar um ponto de inflexão.
Nela, ficou claro que algumas autoridades europeias estão preocupadas com o
impacto de determinadas regras na competitividade do bloco e dispostas a
investir pesado para disputar uma corrida na qual estão ficando para trás. O
presidente francês Emmanuel Macron, que já havia afirmado ser preciso “focar em
eliminar algumas regulamentações malucas, na simplificação do ambiente atual”,
anunciou durante o evento – do qual foi coorganizador ao lado do
primeiro-ministro indiano Narendra Modi – 109 bilhões de euros em investimentos
privados no ecossistema francês de IA.
Também
mudou o tom do discurso de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão
Europeia – que arquivará sua Diretriz de Responsabilidade da IA, proposta em
2022, a qual buscava uniformizar regras sobre a responsabilidade civil por
danos causados por sistemas de IA e era contestada pelo setor. Em Paris, ela
anunciou a mobilização de 200 bilhões de euros por meio do programa InvestAI,
para impulsionar essa tecnologia na Europa.
EUA
e Reino Unido não assinaram a declaração final da conferência, ao contrário de
mais de 60 países, incluindo o Brasil e a China – um dos principais atores em
IA – e a própria UE. De todo modo, o documento em si diz menos sobre o futuro
da regulação da IA do que os discursos e anúncios durante e após o encontro,
que indicam a busca de um reequilíbrio entre o progresso tecnológico e sua
governança responsável.
Apesar disso, regulação e
inovação não são opostos. Confiança e segurança, temas centrais nas Cúpulas
anteriores, são fundamentais para os negócios. O desafio é criar
regulamentações que assegurem esses princípios sem comprometer o potencial
transformador da IA.
Eduardo Felipe
Matias é autor dos livros A humanidade e suas fronteiras e A
humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e coordenador do livro
Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi
visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford,
na California, e é professor convidado da Fundação Dom Cabral e sócio da área
empresarial de Elias, Matias
Advogados
Artigo originalmente publicado pelo Estadão/Broadcast em 28
de fevereiro de 2025.
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