Na
Fronteir@
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A
Democracia na Era Digital
A luta contra a desinformação
nas redes sociais depende da ação proativa das plataformas, que contam com uma
série de ferramentas para isso. O futuro da democracia na era digital pode
depender dessa ação.
Eduardo Felipe Matias
Empresas que possuem redes sociais digitais vivem um dilema. Seu modelo de negócios, baseado na venda de publicidade direcionada, depende da
captura da atenção dos usuários, e está comprovado que fake news podem garantir
muitos cliques – na eleição presidencial de 2016 nos EUA, por exemplo, matéria
intitulada "Papa Francisco choca o mundo, endossa Donald Trump para
presidente" foi compartilhada, comentada ou curtida quase 1 milhão de
vezes, mesmo que o líder da Igreja Católica jamais tivesse dito isso.
Por
outro lado, cada dia mais as plataformas percebem que devem evitar se tornar
ambientes tóxicos, a menos que queiram perder usuários e anunciantes – algo que
o X, antigo Twitter, constatou recentemente quando seu próprio dono, Elon Musk,
publicou um post concordando com uma teoria conspiratória antissemita, o
que levou corporações do porte da Apple e da Disney a suspenderem seus gastos
com publicidade naquela rede.
Desse
modo, talvez mais pela dor da perda de receita do que por amor ao discurso
saudável e verdadeiro, diversas estratégias vêm sendo desenvolvidas para controlar
o que circula nas redes. Nathaniel Persily, professor da Universidade Stanford,
sintetizou as principais abordagens em inglês em sete "Ds": Deletion,
Demotion, Delay, Disclosure, Diversion/Dilution, Deterrence
e Digital Literacy.
A
exclusão (Deletion) de contas ou conteúdo passa pela verificação inicial
de usuários, primeiro passo para eliminar bots e contas falsas que
infestam as plataformas. Isso deve reduzir comportamentos antissociais, como
ameaças e comentários discriminatórios, já que estes são intensificados pelo
anonimato na internet. Só o trabalho humano não dá conta dessa tarefa, que vem
sendo automatizada pelo uso de inteligência artificial.
O banimento de pessoas ou
comunidades e a exclusão de publicações suscitam preocupações sobre censura,
entretanto. Para limitar
o conteúdo prejudicial sem ferir a liberdade
de expressão, adota-se outra tática, a de “rebaixar” os posts nocivos (Demotion),
alterando sutilmente
os algoritmos para diminuir sua visibilidade, sem removê-los completamente.
Outra
estratégia é retardar a disseminação online da desinformação (Delay) introduzindo
“fricções” em seu processo de propagação. Pesquisas demonstram que cada passo
adicional necessário para compartilhar notícias falsas – por exemplo, obrigar a
pessoa a copiar e colar manualmente o texto em uma nova postagem – reduz
significativamente a probabilidade de estas viralizarem.
A revelação da origem das
publicações (Disclosure) aumenta a transparência, permitindo que os usuários as avaliem
criticamente e as desconsiderem se vierem de fontes duvidosas. Em momentos
críticos, como a pandemia do covid, as plataformas se empenham em identificar e
sinalizar posts falsos. Feito
isso, as plataformas podem redirecionar os usuários a fontes confiáveis (Diversion),
ou inundar
o debate online com conteúdo positivo para diluir o impacto do negativo (Dilution). Estudos empíricos sugerem
que o uso do “contra-discurso” seria uma arma eficaz para combater o discurso
de ódio, e que os mesmos eventos que desencadeiam reações raivosas online
muitas vezes provocam ondas ainda maiores de posicionamentos contra a
discriminação.
Quando
nenhum desses instrumentos funciona, uma dissuasão mais direta (Deterrence)
pode se fazer necessária, o que pode ser feito por meio de sanções, inclusive
offline.
Essas ações dependem da
verificação dos fatos, o que, é claro, não é algo simples de se fazer. Além
disso, em alguns casos, acredita-se que a sinalização negativa de posts
poderia sair pela culatra (“backfire effect”), principalmente quando
esta confrontasse as crenças preexistentes de um indivíduo, que teria reação
contrária à esperada, radicalizando ainda mais sua posição anterior.
Apesar de alguns indícios de efeitos contraproducentes
como esse, estudos recentes trazem evidências de que correções e avisos reduzem
com sucesso o compartilhamento de desinformação. Há outros fatores a serem
considerados, no entanto. Investigar se uma informação é enganosa ou não requer
tempo e esforços consideráveis, o que, dado o
gigantesco volume de dados circulando na internet,
faz com que muitas publicações falsas jamais sejam verificadas. O risco, com
isso, é que estas sejam vistas como verdadeiras,
simplesmente por não terem sido carimbadas como mentiras.
Para contornar problemas como
esse, seria mais eficiente se as plataformas deixassem depender da verificação após
uma determinada publicação ter viralizado, adotando sistemas de monitoramento e
alerta precoce baseados na agregação e análise de dados e no aprendizado de
máquina para identificação de padrões.
Muitas
das medidas acima podem ser vistas como remédios de curto prazo ou meros
paliativos – “band-aids tecnológicos” para as feridas das redes sociais. A cura
definitiva viria da mudança no modelo de negócios das plataformas, mas esta
parece longe do alcance. Melhor seria adotar uma estratégia de alfabetização
digital (Digital Literacy), procurando desenvolver nas pessoas o
pensamento crítico e as habilidades necessárias para navegar nas redes sem se
machucar. Pesquisas mostram como materiais educativos podem funcionar como uma
vacina contra a desinformação, proporcionando uma imunidade mental a longo
prazo.
A proliferação da desinformação e do discurso de
ódio na internet representa um risco para a democracia, podendo induzir parte
da população a decisões mal-informadas e equivocadas e inibir a participação de
alguns indivíduos ou grupos no debate público. As
plataformas, até agora, foram parte desse problema. Aplicando ferramentas como as
descritas acima, elas podem contribuir significativamente para a solução.
Eduardo
Felipe Matias é autor dos livros A humanidade e
suas fronteiras e A humanidade contra as cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti e
coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional
pela USP, foi visiting scholar nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley
e Stanford, na California, e é sócio da área empresarial de Elias, Matias
Advogados
Artigo originalmente publicado na edição de Dezembro de 2023
da revista Época Negócios.
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