Eduardo Felipe Matias
Após
aprovação na Câmara dos Deputados, será discutido no Senado o projeto de lei complementar
n. 146/19, que cria o Marco Legal das Startups. Com ele, pretende se criar um
ambiente de negócios mais favorável para o empreendedorismo inovador no Brasil.
Seu balanço é muito positivo, mas como fazer para aumentar seu grau de ambição?
O chamado Marco Legal é, na realidade, um conjunto de alterações
legislativas.
Algumas delas têm caráter desburocratizante, como aquela que
autoriza as sociedades anônimas cujo faturamento respeite certos limites a terem
apenas um diretor, realizarem publicações legais pela internet e substituírem
livros tradicionais por registros eletrônicos – o que gera redução de custos,
permitindo que startups optem esse tipo societário, preferido pelos
investidores. Outras buscam conferir a estes últimos maior proteção, ao procurar
impedir que sejam atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica das
startups por eles investidas, excluindo sua responsabilidade em arcar com as
dívidas daquelas e evitando, assim, pôr em risco seu patrimônio. Medidas como
essas devem contribuir para intensificar o fluxo de dinheiro direcionado a esse
ecossistema.
Há, ainda, disposições que têm por objetivo adequar a legislação à
realidade das startups.
Uma delas, que deriva do reconhecimento de que a regulação caminha
mais lentamente do que a inovação, sendo por isso necessário evitar que a falta
de adequação da primeira impeça que a segunda floresça, é a adoção do “sandbox
regulatório”. Por ele, os órgãos competentes de determinados setores poderão estabelecer
condições especiais simplificadas para as startups, autorizando-as
temporariamente a testar tecnologias experimentais e desenvolver modelos de
negócios inovadores.
Outra, que facilitará a participação de startups em licitações, é
a criação de um regime especial de contratação de soluções inovadoras pela
administração pública, que, com isso, passa a contar com a capacidade criativa dessas
empresas para cumprir com suas funções. Esse regime prevê a dispensa da
apresentação de parte da documentação de habilitação ou da prestação de
garantias, bem como o pagamento antecipado de parcela do preço contratado, o
que propiciaria à startup os recursos necessários para dar início ao projeto.
Ainda nessa linha, destacam-se as disposições que tratam das
opções de compra de ações (stock options), prática já adotada
pelo mercado, mas que teria a ganhar com um tratamento trabalhista e tributário mais claro e realista – algo que
ainda pode ser aprimorado no projeto. Por meio dessas opções, empresas que
normalmente não contam com recursos suficientes para remunerar satisfatoriamente
seus colaboradores – caso das startups que estão no início de suas atividades e
dependem de mão de obra qualificada – podem contar com esse instrumento para atrair
e reter talentos.
Muitas das disposições do Marco Legal se aplicam ou deveriam se
aplicar a todas as empresas, não apenas às startups, especialmente aquelas
relacionadas à redução da burocracia e aumento da segurança jurídica dos
negócios no Brasil, o que também teria a consequência positiva de atrair mais
investimentos estrangeiros. É preciso, até mesmo, ter cuidado para que não se dê
a entender que algumas dessas regras – como aquelas referentes à proteção dos
investidores –, ao se destinarem expressamente às startups, não devem ser
observadas com relação a outras empresas.
Porém outras, para serem economicamente viáveis, dependem de
restringir o universo de empresas beneficiadas, evitando um impacto
negativo sobre as contas públicas.
Com essa finalidade, o projeto afirma que serão enquadradas como
startups apenas empresas que se autodeclararem inovadoras e que preencham duas
condições objetivas: faturarem menos de R$ 16 milhões anualmente e estarem
registradas há menos de 10 anos.
Apesar dessa limitação, o número
de empresas abrangidas ainda é visto por muitos como grande o suficiente para
que algumas ideias tenham sido barradas na elaboração do projeto ou na votação na Câmara, como a
isenção de taxas de constituição e encerramento de empresas, proposta por meio
de emenda e não aprovada.
Ora, o sentido de se conceber uma definição de startups deveria
ser o de permitir que se conferisse a quem empreende ou investe nesse tipo de
empresa alguma vantagem que seria impossível estender a todas as demais – caso,
por exemplo, de incentivos fiscais. E é exatamente em relação a esse ponto que
o projeto é mais tímido.
Em princípio, entretanto, nem todos reagem bem à tentativa de se
estabelecer um conceito de startup que imponha limites mais restritos ou um
maior número de condições objetivas para enquadramento das empresas no Marco
Legal. É compreensível, porque boa parte das startups poderia ficaria de fora,
o que inclusive causaria um efeito menor sobre a economia do que o pretendido
pelo projeto.
Para aumentar o grau de ambição do Marco Legal, será preciso
enfrentar esse dilema. A solução para isso pode passar, primeiro, por
aprofundar uma divisão que o projeto já traz, prevendo que certas disposições
se aplicariam a todas as empresas – o que favoreceria indiretamente as startups
– e outras se destinariam especificamente a empresas enquadradas em uma
categoria. Feito isso, será necessário encontrar o equilíbrio que possibilitará
conferir benefícios mais significativos a essa categoria sem causar um rombo
nas contas públicas, o que passa pelo número de empresas atingidas e, portanto,
pela forma como as startups serão definidas. Não é uma missão simples, mas seu
sucesso pode trazer a resposta que permitirá aperfeiçoar algumas das
disposições do projeto atual e adotar novas iniciativas que impulsionem o
ecossistema da inovação, provocando uma onda de crescimento no País.
Eduardo Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, Doutor em Direito Internacional pela USP e coautor do estudo Sharing Good Practices on Innovation
O artigo foi originalmente publicado na Veja. Clique aqui: link
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